Não consegue explicar que estado de espírito o faz escrever e criar bons trabalhos. Como qualquer MC. Royalistick procura uma carreira ascendente que lhe possibilite a interacção intimista com o público. Mas não compra a ideia de que os media possam ter a capacidade de transformar um artista de minorias num artista de massas


Freestyle: Quando foi o teu primeiro contacto com o Hip-Hop?


Royalistick: O meu primeiro contacto com o Hip-Hop foi há uns aninhos atrás no tempo em que nem sequer se sabia o que é e que não tinha a visibilidade que tem hoje. No tempo em que pouca gente sabia as origens, o porquê e o como era feito. Hoje em dia é uma ‘coisa’ de minorias mas naquela altura o Hip-Hop era de tal forma fechado que podia ser considerado elitista, no sentido de que pouquíssimas pessoas tinham contacto com esse tipo de música. Havia umas cassetes que apareciam no bairro e rodavam pelo pessoal e como era uma ‘coisa’ nova que pouca gente conhecia fui apanhando o ‘bichinho’... e foi ficando...



E continua a ser uma minoria a conhecer?


Originalmente é uma música de minorias... Mas o Hip-Hop nos últimos 10-15 anos passou de ser algo que ninguém sabia o que era, pertencendo apenas a um grupo restrito e fechado a ser um estilo de música com muita visibilidade. O Hip-Hop hoje em dia abriu-se e cresceu de uma forma exponencial, nunca deixando de ser conotado e associado à violência, aos guetos e aos bairros de Nova Iorque. Mas hoje em dia toda a gente pode fazer Hip-Hop porque há ferramentas como o MySpace que permitem que qualquer pessoa faça e divulgue a sua música. Tu ouves miúdas de 14 anos que gravam na net e são muito ouvidas, e dessa forma o Hip Hop não pode ser considerado um estilo de minorias. Independente de isso ser bom ou mau…



Na tua opinião, essas ferramentas ‘internéticas’ são boas ou menos boas, tendo em conta a divulgação dos trabalhos?


Acho que é um pau de dois bicos. Se por um lado dá uma visibilidade incrível aos trabalhos e, pessoalmente, me ajuda bastante em termos de divulgação, por outro lado é complicado porque não se vendem discos. 



Mas essa divulgação não te ajuda a vender?


Provavelmente ajudava se eu estivesse noutro país... Em Portugal, infelizmente, só se for de borla é que toda a gente procura ter, quer saber o que é e tem interesse. Se tiverem de borla não vão querer pagar e lá está... O meu disco no dia em que saiu... à noite já estava totalmente disponível na internet... Eu acho estúpido porque jamais gastaria dinheiro para chegar a casa e dar aos outros de borla... Ainda por cima correndo riscos desnecessários, uma vez que se houver problemas é quem disponibiliza o material que responde pela ilegalidade do acto. Então afinal quem é o otário deste cenário? E... Ainda por cima eu e todos os artistas, no sentido de sermos criativos, somos completamente impotentes em relação a isso. Enfim... Quem ouve a nossa música, se gosta dela, devia ter a noção de que nós temos de provar que aquele trabalho interessa. Por exemplo: eu vendo quinhentos discos mas há 50 mil pessoas que me ouvem. Aos olhos da editora eu sou um artista que não interessa por que só vendi 500 discos e vou ter imensas portas a fecharem-se. Só vendi 500 discos quando na realidade se calhar sou ouvido por 50 mil pessoas que até gostam do meu trabalho, mas como não compraram o meu disco, isso não conta...



Ou seja são números?


Exactamente...


Quais são as tuas influências enquanto criativo?


Actualmente oscilo muito, especialmente nos últimos anos. Houve alturas em que efectivamente tive influências do rap underground nova-iorquino, mas hoje em dia posso dizer que flipo da cabeça com discos muito estúpidos. Já ouvi tantos artistas e tanta música que não dá para dizer o que me influencia. 



E a inspiração... Onde é que a vais buscar?


Para mim a inspiração é um tópico um bocado estranho... porque não sei o que me faz escrever... Sou capaz de ter uma ideia para fazer um tema e depois ter dificuldades em executá-lo. Por exemplo: o ‘Onze’, que é o nome da faixa 11 do meu disco. Achei que era uma boa ideia a explorar sobre o 11 de Setembro. Mas tinha de ser uma cena bem feita, sondando bem o caminho que escolhi, no entanto foi um trabalho que demorou mais de um ano a escrever e a procurar as cenas certas. Batalhava, batalhava e não conseguia fazer com que ficasse ao meu gosto. Por outro lado, se calhar num dia consigo escrever três cenas boas e diferentes. Ou seja... não sou capaz de te explicar que estado de espírito me faz escrever e criar bons trabalhos. Depende muito. 



Não há nada de especial que aconteça em dias de bons resultados que consigas identificar como sendo inspirador...


Não, não há nada. Tem dias em que estou bem e escrevo bem, tem dias em que não estou tão bem e escrevo bem na mesma. Há dias em que estou eufórico e não me sai nada de jeito e outros em que estou triste e escrevo mal. É aleatório e nem sequer tenho um qualquer ritual. 

Do ‘Portfolio’ qual foi a faixa de que mais gostaste?

A faixa ‘Backstage’ foi uma das primeiras faixas a ser gravada e resume bem o que é o meu pensamento sobre a indústria. Essa faixa fala do apoio que deve ser dado aos artistas e tenta trazer quem gosta da minha música ao meu backstage, porque é cada vez mais complicado fazer coisas novas e ser apoiado. Eu acabei por fazer do tal ‘bichinho’ uma carreira e convém que ela seja ascendente, não há lugar para estagnar muito menos para descer. 



Sendo este ‘Portfolio’ uma biografia, qual das faixas tem mais de ti?


Este disco é tão pessoal que acaba por não ser pessoal, uma vez que quis distanciar-me bastante na escrita… embora tudo aquilo faça parte de mim… Por exemplo: a faixa ‘Vida’ resultou de algumas crises existenciais uma vez que dei por mim a pensar que não vale a pena ficar triste por cenas sem 

importância, se calhar é melhor levar a vida na boa, sem stress. É tudo tão rápido que devemos é aproveitar ao máximo e não nos preocuparmos com mesquinhices. 

Outra faixa – a ‘Onze’ – dá-me bastante raiva só de pensar no assunto e esse sentimento é muito meu. Ou a ‘Como Uma Estrela’... 


É a faixa mais pessoal...


Essa correu muito bem por ser sincera e transparente. ‘Como Uma Estrela’ não era sequer para ser música, não era para ser o que quer que fosse... É que eu sou muito mau a falar, e a dar entrevistas e decidi escrever com versos porque essa a forma através da qual me consigo explicar melhor e acabou na forma de música..., nem sequer estava editada mas resultou e eu aproveitei isso para este disco. É a faixa mais pessoal. 



Achas que o Rap está a mudar? E se sim, em que sentido? 


Na minha opinião muito pessoal acho que o Rap não está a mudar, está completamente mudado e o sentido é a parte pior de explicar, porque o Hip-Hop dispersou-se em tantos sentidos totalmente diferentes que hoje em dia alguém que comece a fazer Hip-Hop não tem necessariamente de seguir um determinado caminho uma vez que há uma série de caminhos disponíveis e 20 mil sentidos diferentes. 



Há uma primeira e uma segunda liga no Hip-Hop?


Tenho uma opinião muito simples quanto a isso. Não existe primeira nem segunda liga. Porque se existe uma segunda liga é porque eles [os da segunda liga] dizem que existe uma primeira. Eu nunca joguei em campeonato algum, nunca fui promovido e não sinto que tenha um plantel mais forte do que qualquer outro. Agora, se alguém se classifica como fazendo parte de uma segunda liga é porque à partida ou gostava de estar na primeira ou se sente inferior. 

Eu acho que não existe primeira ou segunda liga… Existe é muita mesquinhez e estupidez. Sinceramente, até acho que o Hip-Hop português é composto por pseudo revoltados, e não revolucionários.


Qual é o papel das editoras na descoberta de novos talentos ou a rentabilizar os talentos que já têm?

O papel das editoras é fazer dinheiro e procurar projectos que à partida sejam rentáveis e que pelo menos paguem os investimentos.



O investimento é grande?


Depende dos artistas. Se tiverem artistas ‘baratuchos’ como eu não é um investimento muito grande, principalmente por que gosto de ser eu a tratar das cenas. O último vídeo-clip fui eu quem fez. Chamei os meus amigos, usei os meus contactos e acabámos por pagar pouco por um trabalho final muito bom.



Mas sentes-te bem acompanhado pela tua editora?


Sinto-me muito bem acompanhado. O Bomber Jack está a trabalhar sozinho e tem dado o melhor dele. A ‘Footmovin’ tem feito muita coisa. Não vejo ninguém a criar outras cenas paralelas… Esta editora não estava cá desde o início da Terra, nem caiu do céu cheia de dinheiro, ela começou com o trabalho de alguém. E eu vejo muita gente a criticar mas não vejo ninguém a mexer-se ou a criar alternativas. Se não fosse a ‘FootMovin’ eu não tinha feito este disco.



Qual achas ser o protagonismo do Rap nas quatro vertentes? Graffiti, B-Boy, DJ e MC. 


Hip-Hop enquanto cultura está altamente destruído e alterado, já não é nem nada que se pareça com aquilo que foi. Provavelmente por causa da globalização. Está tudo embrulhado. Os writers não houvem Rap, ouvem Punk e cenas assim. Os breakers curtem breakbeats. Os que andam mais ou menos ao lado uns dos outros são os Dj’s e os MC’s. Eu passei por todas as vertentes mas percebo perfeitamente que isso não aconteça hoje em dia. O que interessa é haver boa onda.



Gostas mais de estúdios ou de concertos?


Gosto mais de tocar ao vivo, se tiver bom som e bom público.



Qual foi o que gostaste mais?


O da Casa da Música foi espectacular. Mas também dei um concerto engraçado na Póvoa do Varzim, no ‘Plastic’, uma discoteca que nem sequer tem palco, eu esticava o braço e tocava em alguém. Foi uma cena muito intimista. Toquei lá e fiquei completamente apaixonado. Outro... No ‘Sushi’ em Leiria, com grande ambiente, muita gente e energia. Eu gosto quando há interacção com o público. 



Quais foram os artistas com quem gostaste mais de trabalhar?


Gosto muito do MadKutz, ele sabe sempre o que eu gosto e do que falo. Do Nga., gravar com o Nga é uma cena do outro mundo. E com a Carla Sousa, ela canta muito bem e gosto da química que ela coloca nas músicas.



Conselhos para a malta jovem...


Primeiro: Não desistam seja do que for. 

Segundo: Não criem muitas expectativas.



O Boss AC em tempos fez uma uma música chamada : «Hip-Hop sou eu e és tu...» e tu, depois disso, fizeste a música : «Hip-Hop não sou eu nem és tu...». Conta-me o que está por trás disto…


Eu explico-te mas quero começar por dizer que não tenho nada, absolutamente nada, contra o Boss AC. Além de que nem sequer o conhecer, por isso parto do pressuposto de que é o melhor indivíduo do mundo.

Este tema já tem uns anos... E o que se passou foi... o trabalho do Boss AC começou a aparecer nos ‘Morangos’ e de repente [ele] passou de um artista de minorias a melhor artista português. Ou seja, uma música que passa numa novela com uma audiência louca tem o poder de te transferir um artista do quase anonimato para os Globos de Ouro como melhor artista português. E isso é uma diferença brutal. Eu gostava de dizer que aquilo se deveu ao trabalho do Boss AC, mas não posso. Porque aquele prémio resulta do que os media querem que sejam os músicos em Portugal. 

Resumindo, a minha intenção ao escrever «Hip-Hop não sou eu nem és tu...» não foi contra o Boss AC, mas contra a influência que os media têm na música e em relação a quase tudo. É natural que [os media] tenham influência mas não desta forma. Não devem ter a capacidade de transformar um artista considerado de minorias num artista de massas e com a projecção do melhor artista português, em tão curto espaço de tempo.

Que o Boss AC ganhe 20 globos de ouro todos os anos. O meu problema está ligado, unicamente, à razão que o levou a ganhar aquele prémio. 

«Hip-Hop não sou eu nem és tu...» porque é um ambiente, somos todos!



Mas tens noção de que a mensagem não passou conforme a construíste mentalmente?


Vou-te contar mais uma cena... O fim da música tinha um fragmento dirigido ao Boss AC que explicava: «Não é aquilo que tu representas é aquilo que te representa», mas tiraram, vou fazer o quê?



E isso gerou muitos equívocos...


Eu tenho um íman para os equívocos.



Por: Cátia Viegas

Fotos: Cedidas pelo artista

Freestyle/2009

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