(Veloci)Raptor no mic, mas calmo e ponderado a responder as questões colocadas pela Freestyle. Levantou um pouco o véu sobre o seu novo trabalho e falou dos seus projectos

Freestyle: Qual foi o teu primeiro contacto com o Hip-Hop

Raptor: Foi através de uns Vinis que o meu pai me mostrou, discos dos primórdios do Rap: Ice T, Run Dmc, Public Enemy, entre outros. Foi o primeiro contacto directo com o Hip-Hop em termos auditivos. Na prática de Hip-Hop iniciei-me nos graffiti em 1998, se bem que antes já fazia umas rimas, sempre tive jeito para isso. Recordo-me que no ensino básico nas aulas de Português, quando apresentávamos trabalhos livres, escrevia umas quadras. Sempre amei a Poesia, no entanto nunca fui grande adepto da Prosa.   


Podes explicar-nos o significado do teu nome?  

Tem um duplo significado. Fui buscar o nome ao filme Parque Jurássico, ao Velociraptor que era rápido e, como eu, tinha um estilo rápido de rimas. Achei que se ajustava e também pela forma como caracterizaram o animal: inteligente, a funcionar em grupo… Claro que é fictício mas incorporava-se bem no conceito que queria dar ao meu nome de MC. Mais tarde readaptei o nome tendo encurtado para Raptor, como o tutor, aquele que ensina o rap, rap tutor.


Quais foram as tuas maiores influências no rap

Sem dúvida o underground nova-iorquino e o rap francês, essas foram as bases. Gosto muito de boa musica, Soul, Jazz, musica africana também, uma vez que nasci em Moçambique. É uma mescla de influências. Actualmente sou influenciado pelo bom rap, tanto nacional como internacional.

Como caracterizas o teu rap

Basicamente, provém das experiências que tenho, daquilo que vejo, de tudo o que me rodeia, tudo depende da inspiração. Não vejo limites nisso, não me circunscrevo, é muito variado a nível temático. Com as rimas tenho algum cuidado estético, mas, de resto, não tenho limites.


Estiveste envolvido no projecto “Profetas Urbanos”, antes de seguires a tua carreira a solo. Como foi essa experiência?  

Foi óptima porque consegui projectar a minha carreira a solo. Ganhei experiência não só em rimas como em concertos, cresci como MC e como pessoa.  


Participaste em algumas compilações até assinares pela Sotrop Collectif. Como surgiu esse convite? 

Foi por intermédio do Pass One, que tem cá um estúdio de nome Konpasso e ele fez a ponte para o Pedro, da Sotrop, que se interessou pelo meu projecto e quis abarcá-lo. É certo que as coisas podiam ter corrido melhor, mas foi um passo muito importante porque foi com esse EP que me dei a conhecer as pessoas.  


O teu EP saiu primeiro na Bélgica e só depois em Portugal. Porquê?  

Saiu na Bélgica em finais de 2004, ainda correu França e Luxemburgo e só 3 meses depois, já em 2005, saiu em Portugal. Houve um problema na alfândega que nunca percebi bem, o que impediu que saísse em simultâneo nos países mencionados, tal como estava previsto.


Como foi a aceitação por parte do público?  

Não tenho muita noção do feedback na Bélgica mas, segundo o Pedro, foi boa, também porque tinha a participação de um conhecido produtor belga, o que ajudou a ter boa aceitação, mesmo por parte dos emigrantes. Cá em Portugal, tendo em conta que foi o meu primeiro projecto e com uma distribuição um pouco atrapalhada, não se pode dizer que tenha sido mau. 


O teu tema “Velociraptor” teve um buzz fantástico. Esperavas isso quando o fizeste?  

Não estava à espera, mas sei que me dediquei muito a essa música porque modéstia à parte, foi a primeira grande aparição de flow em Portugal. Quando a fiz sabia que, para o bem ou para o mal, ia ser falada, e foi, pelo flow, estética de rima, mas também foi muito criticada pelos apologistas dos temas concretos, com mais miolo. Foi bifurcada em termos de opinião. Quando a fiz não sabia que ia bater tanto, mas dediquei-me muito e foi feita com o intuito de mostrar às pessoas que eu estava aqui.   


Após o EP, foram quatro anos até  este novo álbum. Estiveste envolvido em compilações, EP’s e CD’s de outros artistas. Achas que valoriza o teu trabalho?

Claro que é sempre gratificante ter convites de outros artistas, é sinal que vêem valor em mim. Acho importante, até para o álbum que estou a preparar, porque o público já me conhece de outras participações, se bem que os featurings nunca mostram muito do artista. Quando fazes participações são sempre aquelas 16 bars, não estás com grandes temas. Mas sim, penso que é importante.  

O que podemos esperar deste novo trabalho?  

Como disse, o pessoal vai-me ver noutros registos, não naquilo em que estão tão habituados. Vai haver pelo menos uma faixa com que as pessoas se vão identificar, os temas e a sonoridade são muito diversificados. Talvez seja uma surpresa para uns e uma desilusão para outros, mas eu também não fiz o álbum a pensar nos outros. Antes de mais fi-lo para mim e para me satisfazer pessoalmente.  


“Pontos nos ii’s” porquê? Tem algum duplo significado?  

Porque todo o álbum foi feito nesse conceito de pontos nos ii, apesar de os temas serem diversificados, cada faixa é um ponto no i. A música “Conta Comigo”, por exemplo, é um conselho para as pessoas no bairro que devem sair daquela vivência, isto é um ponto no i. A música “Acorda” também é um ponto no i. Todo este álbum é um ponto no i no rap, é uma maneira de me afirmar e dizer que estou aqui. Mas não quero que vejam isso como arrogância, nada disso, simplesmente foi o nome que escolhi. Terá também a ver com o ego trip habitual dos rappers. Tens muitos álbuns em Portugal com este conceito e associação, por exemplo o “Sem Papas na Língua” do Tony Mcdred, o “Tira Teimas” do Regula, entre outros.


Este álbum conta com várias participações. Como foi trabalhar com esses artistas?  

Foi bom, até porque escolhi artistas com os quais me identifico artística e pessoalmente e foi uma maneira de eu próprio evoluir. Alguns dos artistas que convidei não são tão conhecidos, como o Dengaz. Na produção também tentei chamar newcommers, pessoal com muito valor mas que não é tão conhecido. Há muito a moda de se usar os artistas como bengala, mas eu não quis fazer isso, convidei o Sam the Kid, porque gosto dele e é um artista que respeito, o Melo D, um artista Old School, uma voz Soul, marcante, o Nga com o qual sempre me identifiquei, que está a ter um grande boom. Lembro-me perfeitamente aqui há uns anos, da Crew dele ser apontada como imitadora de um estilo de vida americano. Eu sempre disse “atenção que estes indivíduos têm valor”. Também o Lancelot, que já tinha participado no meu primeiro EP, o SP com quem também já tinha trabalhado, tenho o Vocábulo, o Dino, que têm grande potencial, o Lyth que é uma grande promessa que aí anda. 

O teu som “Custa-me” é a história de uma vida, mas que pode bem ser a vida de alguém. Achas importante abordar esses assuntos no Rap?  

Claro que acho importante essa faceta estar presente no Rap, o story telling faz parte do Rap. Uma parte desta musica é ficcionada mas é uma ficção muito real que pode estar a acontecer neste preciso momento, tem uma dupla acepção e é uma música para as pessoas pensarem. Acho que um álbum não deve ser só isso, deve ser diversificado, mas sim, estes temas são sempre indispensáveis.


Como vês o “Estado da nação”?  

O estado da nação somos nós que o fazemos, podia estar melhor mas também não é assim tão negativo. Em Portugal somos muito pessimistas e auto desvalorizamo-nos e nesse som eu falo dos aspectos positivos e dos aspectos negativos, para então melhorarmos a situação. Estamos a passar por uma crise, que talvez por conveniência política esteja a ser prolongada, mas além da crise económica existe uma crise de valores que é mais importante. Julgo que as coisas não estão assim tão más, devemos usar o passado e inspirarmo-nos nele e nas grandes figuras que o representam, para melhorar o presente e não esperar que o D. Sebastião venha para nos salvar.


E do Hip-Hop Nacional?  

Está bom, há uma grande abertura, tem havido uma grande evolução sobretudo na produção. Houve uma melhoria grande e uma diversidade nos estilos e nos flows. Mas há coisas más, inclusive acho que está a desaparecer o movimento Hip-Hop, os artistas para subsistirem estão a fazer liftings sonoros porque o próprio público-alvo, de certa forma, alterou-se e se os artistas se quiserem manter e viver, têm de se adaptar. Infelizmente o mercado não se adaptou a nós, o nosso mercado não tem nada a ver com a realidade americana ou mesmo a francesa. E o tal movimento Hip-Hop parece que morreu porque está muito desgostoso com os artistas talvez por alguns terem feito esses liftings. Mas a culpa é precisamente desse movimento, porque, a certa altura, deixou de apoiar os artistas. Para se sobreviver, lançar álbuns com mais qualidade, tem de se vender discos, tem que haver investimento e isto é um ciclo económico, o dinheiro tem de entrar para haver aposta no artista, para poder aparecer com melhores clips e melhor sonoridade. Outro problema é o facto das editoras portuguesas independentes estarem a desaparecer, estão praticamente falidas. Temos só uma no activo e porque tem feito grandes associações com majors, ou seja, o Hip-Hop não vende, estão-se a perder determinadas essências que são importantes porque é preciso haver diversidade no movimento. O estado actual é uma faca de dois bicos: há mais abertura por parte dos média mas o movimento em si está muito partido, já não há um elo de ligação. Os concertos de hoje estão vazios, até quando são artistas de topo do Hip-Hop português aquilo está às moscas. 


Já  estiveste na Sotrop Collectif, agora estás na Loop e IPlay. Que diferenças apontas?  

As coisas não correram muito bem com a Sotrop, as pessoas notaram isso, anunciava uma data para o álbum e não saía, o que foi lançado foi um EP. Pode ter havido várias razões: a distância, a própria idade que tinha que estava associada directamente á falta de maturidade, se calhar não tinha sensibilidade para algumas coisas. A Loop é diferente, estamos a falar do Rui Miguel Abreu, uma pessoa com muitos anos disto, com um knowledge imenso e talvez o grande mentor do Hip-Hop em Portugal. Logo aí há diferenças. O meu trajecto está ligado à  Iplay, que é uma editora que se quer impor no mercado como número um. Por isso, a forma de trabalhar é mais exigente, mais profissional, e sempre foi isso que eu quis. Foi importante ter passado por uma altura mais conturbada porque me deu bagagem para o que agora se avizinha.  


Foste obrigado pela editora a mudar alguma música?  

O meu álbum foi feito como quis até  porque, quando o apresentei à editora, já estava todo feito. A editora opina na escolha, por exemplo, do single. Não fui obrigado a mudar nada, talvez noutra editora o fosse, nesta não.   


O que vamos poder ver/ouvir do Raptor no futuro?  

Vão-me poder ver em concertos a promover o álbum, coisa que já não faço há algum tempo. Vão-me ver também em inúmeras participações, uma delas é no álbum de tributo a Fernando Pessoa que vai sair em Novembro, participei num projecto de um produtor espanhol com o Sagas. Tenho participação no álbum do Dengaz, do Vocábulo, de La Dupla, aí como produtor, entre outros projectos.  


Palavras finais para os nossos leitores.  

Comprem discos porque daqui a uns tempos não há artistas de Hip-Hop, isto circunscreve-se tudo a meter sons na net e vai-se perder a parte física do Hip-Hop. Façam críticas construtivas e sempre com respeito pelos artistas. As pessoas, às vezes, pensam que andamos aqui a brincar. Cultivem-se, actualizem-se, tanto no auditivo como no lírico e tentem abrir os horizontes.



Por
: Tiago Costa Rebelo

Fotos: Gentilmente cedidas pelo artista


FREESTYLE/2009

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