Rebelo "Jazz" Bass (baixista), Gomes "Prodigy" (teclista), Mira "Profissional" (MPC), Ferrano (baterista) e Cruz (pratos) formam os Orelha Negra, que surgiram como uma consequência natural da digressão do Sam The Kid com o álbum "Pratica(mente)". Envolvidos em diferentes projectos, conciliam as suas experiências em formato instrumental para nos fazer chegar uma mistura de Funk e Hip Hop, funcionando como uma autêntica lufada de ar fresco no panorama nacional. Numa conversa (apenas) com Sam The Kid e Fred, ficamos a conhecer um pouco melhor o que se esconde por trás da música  


Freestyle: Orelha Negra é um exemplo que há musica hip hop para além do Rap ou rejeitam esse tipo de rótulo?

STK: Eu percebo a pergunta, mas isso não faz muito sentido, porque a minha interpretação é de que o Rap faz parte da cultura Hip Hop. A música que é Hip Hop é feita pelos rappers. Neste nosso caso, é uma música instrumental e que é Hip Hop à mesma, mas não só. Em tudo o que eu fizer, vou ser sempre Hip Hop e eles metem a cena deles, que pode ou não ser Hip Hop, pois eles curtem outras coisas e no fim, fica uma junção de várias influências. Eu posso fazer um som com o Vitorino e o instrumental não ser Hip Hop, mas eu estou lá a representar e a fazer Hip Hop. Até posso aceitar que não consideres como Hip Hop, mas a minha essência é essa.



Se tivessemos o Sam a rimar nas músicas de Orelha Negra, seriam uma espécie de The Roots portugueses? É algo que pode vir a acontecer?

Fred: Acho que não. Pode ser The Roots, mas a piada disto, o nosso desafio, foi mesmo fazer algo instrumental. O Samuel quando faz as rimas dele, é como Sam the Kid e aí nós já estivemos todos juntos a tocar. Pode acontecer outra vez, mas à partida e não se pode dizer nunca, não é esse o objectivo desta banda.
STK: Estes sons foram feitos como e para instrumentais. No futuro, irão aparecer sons com vozes, mas a base não é essa. Na realidade é que aqui temos um nome diferente, é uma consequência daquilo que o Fred disse. Eu rimei com eles a tocar comigo, por isso a cena dos The Roots, porque é que não é comparável a essa altura? É só uma questão de reportório. Eu quando fizer o meu próximo trabalho de instrumentais, não me vou privar de os convidar, só porque podem dizer que é Orelha Negra. Eu só quero é que saia uma cena boa. Se um deles fizer um álbum e quiser a nossa participação, nós só queremos é fazer música boa e não pensar que podem associar a Orelha Negra. Individualmente, todos temos projectos e ideias.



Quais são as vossas maiores influências musicais?

Fred: Varia de pessoa para pessoa. O Samuel, por exemplo, está mais virado para o Hip Hop. A rapaziada, o João e o Chico, mais Funk e Soul, eu mais Rock e Punk, mas ouvimos um pouco de tudo, muita variedade, música portuguesa também. Tudo o que seja fixe, nós curtimos, na nossa perspectiva. Não há uma banda que seja uma referência para nós.
STK: Acho que esse é o caminho. As músicas que eu não gosto ou não entendo, curtia de entender. Por exemplo, cenas tipo Heavy Metal, eu não consigo entender, mas sei que há quem entenda e eu gostava de compreender como eles compreendem, para me enriquecer e procurar algumas influências. É talvez aquele cliché, que em todos os estilos de música, há boa música, mesmo não sendo a tua onda.
Fred: Há uma cena que pelos vistos não é um novo género, mas para nós ainda é, que é o IDM, Intelligent Dance Music. Eu até participei num som de IDM e nem sabia, até perguntei o que era e quando me responderam disseram-me que era IDM.
STK: É um estilo de música muito arrogante. Tu fazes Dance Music? Eles fazem Intelligent Dance Music (risos). Só soube desse estilo à pouco tempo e o tema que ouvi até era bastante semelhante a Orelha Negra e até pensei que Orelha Negra podia ser IDM (risos).



Como é que conseguem conciliar os vários projectos paralelos de cada um dos elementos?

Fred: Temos de definir prioridades e o tempo de cada coisa. Nos ultimos tempos, estivemos sempre todos virados para Orelha Negra e pelo meio fomos fazendo outras coisas. É uma questão de vontade. Se tens vontade de tocar com os teus amigos, vais arranjar uma horinha naquela dia para o fazer. Também é um processo, nós já estamos à dois anos a trabalhar nisto e não foi por termos disponibilidade total para o fazer. Fomos tendo tempo e fomos fazendo. É consoante a nossa disponibilidade.
STK: Esta entrevista até um exemplo. Por todos estarem envolvidos em vários projectos, nem sempre podemos estar juntos. Não está aqui o João, o Chico nem o Cruz, mas é porque eles estão a trabalhar em projectos paralelos, mas não deixamos que as coisas deixem de acontecer.
Fred: Fazemos as dobras uns dos outros e nos momentos importantes estamos juntos. Quando é para ensaiar, conseguimos juntar-nos. Estivemos em Braga esta semana, a fazer umas filmagens de sete músicas, com uma realizadora chamada Joana Arial e aí estivemos todos a tocar e tivemos 360 minutos gravados de áudio, com divagações do Samuel e de todos.
STK: Se cada um deles, principalmente eles, que têm mais bandas e projectos, não os tivessem, se calhar ensaiávamos mais e teríamos a facilidade de preparar músicas mais rapidamente, quem sabe dar mais concertos. Mas o facto de ensaiarmos menos, não compromete de qualquer forma a qualidade da nossa música. 



Como se desenrola o processo criativo dos Orelha Negra?

STK: Depende. Cada um pode chegar com uma ideia. Noutro dia ele mostrou-me um tema dos Nine Inch Nails e eu curti do som e podiamos inspirar-nos naquilo para fazer uma faixa nova.
Fred: Os Nine Inch Nails têm um universo diferente e é aquela cena que estavamos a falar, não é bem Heavy Metal, mas tentei explicar que tem aquela forma de som e podíamos fazer assim e assado e era capaz de ficar fixe. É uma questão de ir explicando o que se quer e se sente e a partir daí a coisa pode resultar e o eles percebem. O Samuel pode fazer um beat em casa, mostra-nos e podemos achar que enriquece o que estavamos a fazer. Por vezes o João vem a pensar uma cena de piano, toca e nós trabalhamos aquilo. Outras vezes, uns grooves meus de bateria que eu possa estar a experimentar e vimos que é capaz de funcionar. É por aí e é normalissimo.
STK: No nosso disco temos uma cena desse estilo. Foi uma sugestão de um som do Marcelo Camelo, que se chama Saudade e é como uma cover. Não é o original e tu se ouvires o original ves que nós levámos para um universo diferente, mas sempre respeitando a melodia do principio ao fim, com outro som, outro balanço e outros samples vocais que não estão no original.



Os 12 temas do álbum foram escolhidos de entre 80. Foi dificl essa selecção?

STK: Não foi dificil, porque a consensualidade foi geral. 



Esses temas preteridos, vão ser editados posteriormente?

STK: Não, porque aquilo são esboços, estarias a ouvir ensaios, como que rascunhos.
Fred: Foi como o que te disse o que fizemos em Braga. Estarmos num estúdio durante dois dias a tocar, em que está sempre a gravar e nós ficamos com 360 minutos gravados. Quem não estiver dentro do meio e ouça aquilo assim do nada, põe aquilo tudo no lixo. Nós pegamos naquilo e se formos raspar, encontramos sempre algo que pode ser desenvolvido.



O facto do vosso álbum ser instrumental, dá-lhe uma vocação mais universal. Quais são as vossas expectativas além fronteiras?

Fred: Pessoalmente, as minhas expectativas já foram ultrapassadas. Soube esta semana que já vamos a caminho dos 3000 discos vendidos, o que para mim é uma vitória para os dias que correm. As nossas expectativas não foram altas nem baixas, foi fazermos uma coisa que nós gostassemos e ficassemos orgulhosos e fomos honestos com o que fizemos. A partir do dia em que saiu, queremos tocar ao vivo, fazer coisas novas, brincar com as músicas, que será a próxima fase ao vivo, que é alterá-las à nossa imagem actual, porque algumas das faixas do álbum foram feitas à um, dois anos. A nível de expectativas, está tudo ok.
STK: Além fronteiras, temos tido algum feedback de blogs e hoje em dia tens de mudar a estratégia de marketing e valorizar os blogs, que têm muita importância como media. E ainda hoje tinhamos um mail dum rapper estrangeiro a pedir um instrumental para ele rimar, porque tinha curtido da nossa cena.
Fred: Isso dá-nos muita felicidade, conseguires que o teu disco chegue a outras pessoas. Passares algumas horas numa noite a mandar o disco para pessoal que tu gostavas que ouvisse e passado alguns dias eles divulgam o disco no blog. E vamos em Setembro a França tocar e isso foi divulgado em blogs franceses, holandeses, americanos. Isso é positivo.



Apesar de se tratar de um projecto inovador e alternativo, o recurso aos samples dá um caracter nostálgico à vossa música. Concordam?

STK: Sim, o sample a nível melódico, nas cenas que eu faço é maioritariamente de cenas antigas, por isso, sim, concordo.
Fred: Nós próprios, no disco, falamos um bocado disso num som que se chama “A Memória”, o facto de ires buscar cenas antigas e a pesquisa que se faz,que é um trabalho principalmente do Samuel e o Cruz.
STK: Mas a nostalgia nem sempre é saudade, nem passa por algo que eu vivi ou que tu viveste. Eu quando vou buscar um sample dos anos 70, eu não vivi aquilo. A palavra pode ser aplicada em várias formas ou várias cenas. Em 2010, o Hip Hop dos anos 90 pode ser nostálgico. Samplar uma cena que tu conheces pode ser nostálgico, porque tu conheces esse sample, se calhar foi algo que te marcou ou é algo que tu te lembras e que te traz recordações. E nem sempre a nostalgia é boa ou positiva. Pode-te fazer lembrar de cenas que tu não gostas ou o sample usado faz-te lembrar uma música que tu nunca gostaste.



A vossa música tem sido bem recebida por um público bastante heterogéneo. Estavam a espera dessa reacção?

STK: Sim, sinceramente estava. A nível pessoal já tenho a experiência de ter um álbum instrumental e sei que se tornou heterógeneo. O Rap muitas vezes afasta um certo público e o Instrumental afasta outro determinado público. Depende dos gostos das pessoas.
Fred: Eu concordo, temos um público muito variado. As pessoas já estão um bocado numa fase em que se as coisas forem fixes e forem boas, curtem. A cena da voz pode afastar um bocadinho, Rap sem ser rimado, mas ao mesmo tempo abriu o leque para outros públicos.



Tendo em conta a diversidade dos instrumentos utilizados, sobretudo a interligação com os pratos e MPC, como é que conseguem coordenar tudo em cima do palco?

Fred: O dificil é juntar a parte orgânica dos teclados e bateria, com a MPC e os pratos. A MCP e os pratos são irmãos. Os primos, que somos nós é que temos de encaixar. Uma das nossas preocupações foi mesmo essa, como colar a bateria com a MPC. Esse foi um trabalho que foi sendo feito e fomos percebendo nas misturas, através do Nélson Carvalho e conseguimos ver que é possível. Ao vivo estamos quase a chegar ao ponto certo e o próprio som que o Sam utiliza é de certa forma orgânico, de maneira a que não se sinta que é algo como o orgânico contra o electrónico. As coisas são escolhidas, os sons e samples, já a pensar no mesmo fim.
STK: Eu acho que é tudo orgânico. Mesmo quando eu, na MPC, ponho uma sequência em que já está um Drum a correr, está a gravar de forma orgânica. Mas sim, a grande luta foi encaixar os Drums, os samples, a bateria do Fred em cima de outro break que encaixe bem. Porque às vezes, nalguns sons que tenham um sample com uma estética suja, se meteres um break sujo, vai-te dar a ilusão de que estão todos juntos e não um beat em cima dum sample. Nalgumas músicas nós tentámos fazer isso e fomos bem sucedidos.



Consideram as actuações ao vivo o vosso ponto forte ou preferem trabalho de estúdio?

Fred: São duas coisas diferentes. Eu gosto das duas. Todos os concertos que demos até agora, foram boas experiências, mas todo o tempo que estivemos em estúdio a gravar também foi bom e aquele sentimento de gravar a cena em estúdio e ir para casa a ouvir no iPod para ver como ficou, também é importante. São duas coisas diferentes, distintas e para mim, uma coisa completa a outra e não era feliz se só tivesse uma.
STK: Eu gosto mais da cena de estúdio, mas claro que ao vivo dá-te sempre uma certa adrenalina. Se eu me limitasse a carregar num botão, não dava pica, mas o risco de poder falhar, dá-me um sentimento especial. Quando as coisas correm bem, sentes como uma prova superada e isso é muito fixe.



O trabalho gráfico à volta do álbum e a edição em vinil foi algo bastante apreciado pelo público. Pensam que faz falta à música portuguesa, especialmente ao Rap, apostar mais nestes aspectos?

STK: Acho que sim e nem é algo que vem de agora. Desde que apareceu a internet, aprendeu-se a valorizar o consumidor. Ainda esta semana estava a ver numa revista que compro regularmente e tinham uma lista com coisas que eles não gostam, e uma delas é CD’s com pouca informação. Por exemplo, eu nunca fui gajo de pôr as letras, mas podes valorizar com mil e uma outra coisas. O trabalho de Orelha Negra até nem tem muita informação, é algo bastante simples mas que tu vês que houve trabalho ali.
Fred: Foi um trabalho do Pedro Cláudio, desenvolvido connosco e como o Sam diz, a parte de informação até é pequena, mas o trabalho em si foi imenso.



Para quando podemos esperar um novo trabalho dos Orelha Negra?

Fred: Em Outubro vai sair uma mixtape, com estas músicas, cantadas por pessoal, com algumas remisturas e talvez algumas cenas nossas, uns medleys, ainda não temos isso bem definido. E para o ano, talvez saia qualquer coisa, mas ainda é muito cedo para falar nisso.




Por: Tiago Mateus

Foto: Cátia Barbosa


FREESTYLE/2010


This free website was made using Yola.

No HTML skills required. Build your website in minutes.

Go to www.yola.com and sign up today!

Make a free website with Yola