As mãos denunciam-lhe o gosto pela profissão: «por mais que lave não sai». Nomen começou desde cedo a viver a cultura do Hip-Hop. Primeiro, como DJ 30 Paus; depois, como writer Wise. Primeiro, a música; depois, a tinta de spray. Primeiro, o bombing; depois, o Hall of Fame. 


Quando começaste a grafitar?


Nomen: Foi em meados de 89 que espalhei tags e as coisas básicas do início. Em 90, comecei a pintar com cores por dentro, a cheio. 



Quais eram os teus spots?


Morava em Carcavelos e, durante muito tempo, fiz Graffiti por lá. Em 91 já era diferente porque começava a ir para Lisboa e Cascais, e a partir de 92, com a cena dos PRM, espalhámos Graffiti de Norte a Sul do País. 



Quais eram os teus focos de eleição?


Teve tudo um determinado timing. No início não havia a cena de «fazer» Hall Of Fame, nem comboios ou metros. Espalhava tags pelas ruas de Oeiras, Carcavelos e arredores. Em 93, apareceu o primeiro comboio pintado por portugueses na linha de Cascais e eu fiz parte desse grupo. Durante os quatro anos seguintes todos pintávamos Hall Of Fame e trabalhos pagos durante o dia e, de noite, comboios. Mas, a meio dos anos 90, distanciei-me da cena do tag ou do throw up. «Fazia» comboios ou Hall of Fame.  



Que interesse viste neste tipo de actividade?


Há pessoas que têm um click em determinada altura e descobrem o que querem fazer da vida. Eu não posso dizer que isso me tenha acontecido. Em 88 quando o Graffiti começou em Portugal o interesse que despertava era a curiosidade. Será que é assim tão difícil? O que podemos fazer com uma lata de tinta? O que vai acontecer? 



Inicialmente o que te influenciou a escolher o Graffiti como forma de expressão?


Em 87, 88 era eu DJ 30 Paus e gravava mixtapes. Em cada trabalho escrevia os nomes dos artistas nas cassetes e já escolhia letras em booble. Era talvez algo de inconsciente mas, a pouco e pouco, comecei a curtir bué fazer essas letras. Lembro-me que essa cena representou a primeira interferência do Graffiti na minha vida. Posteriormente, recordo-me de um vídeo de De La Soul em que estavam a grafitar e eu parei o vídeo e comecei a tentar sacar o boneco. Resumindo, tive o estímulo da letra e só depois o da ilustração. Eu embiquei para as duas coisas. Por isso, hoje em dia faço as duas cenas. 

 

 

Recordas-te do teu primeiro tag?


Do primeiro tag não me recordo, mas do primeiro graff sim e foi na semana em que estava a sacar o tal boneco. Esse graff envolveu bué gente que hoje até está ligada à música, como o Nelo Assassin e o Tony Moca. O meu tag dessa altura era KOS – King Of Style. Lembro-me que era todo a fluorescentes, porque eram as latas mais fáceis de gamar no Palmeiras. Comprava uma e roubava duas, no final do dia havia comprado três e tinha nove. Mas eram muito pequeninas, só enchiam as três letras do KOS. Mais tarde, passei da cena de gamar as latas para as comprar à fábrica. Para comprar bués tenho de comprar mais barato como as pessoas, sem IVA nem nada. 



Esforças-te por ser coerente com as escolhas que fazes? Ou seja, adoptas um determinado tag para identificar a opção do momento, adaptando-o a cada etapa?


Sim. É isso mesmo. Eu separo as cenas. A música foi um momento. Até 98 pintava legal e ilegal. Usava Wise, nome ligado ao vandalismo. Depois entra o Nomen. Este tem umas recaídas de vez em quando, como qualquer pessoa. Uns tags aqui e ali, um comboio de ano a ano…, mas representa outra etapa na minha vida. Esforço-me por não fazer nada que tenha a ver com vandalismo.



Qual é a sensação que tens quando passas por uma parede que tem o teu tag?


É uma sensação fixe que tenho vindo a perder mas que, de vez em quando, volto a sentir… Ontem, por exemplo, saí de uma festa já um bocado quentinho e na rotunda do Tagus Park «mandei» lá um tag, numa parte lateral da cena onde sempre quis ter um. Antes disso já tinha tagado na rotunda do Oeiras Parque.  



A isso chama-se recaída…


Sim, foi uma recaída, mas sou incapaz de o fazer propositadamente. Só faço se estiver sozinho, quentinho e com latas no carro. Nesse caso tenho mesmo de parar e «fazer».  



É um vício?


É. Um taguezinho aqui e ali. 



Além dessas pequenas recaídas já te aconteceu algo maior como Nomen?


Sim. Lembro-me que estava em trabalho na Vidigueira e não havia nada para fazer. Estava a conduzir na Estrada Nacional de Beja, em pleno dia, e «mandei» um Nomen gigante, de sete ou oito metros. Um bombing colorido, de dez latas, em uma hora. São devaneios. O vício parece estar adormecido, mas de vez em quando lá me escapa uma cena dessas.  



Se o graff fosse todo ele pago e legal, deixaria de o ser?


Sim. Porque não é suposto o Graffiti ser legal. Já paguei multas por vandalismo, mas a cena do medo e das responsabilidades que implicam ter mulher, casa e filho faz com que o vandalismo saia fora.  

 


E o que é que entra?


Entra o pintar Hall Of Fame, beber uns copos com os amigos, fumar uns charutos… e tens outra cena na vida que te preenche. 



Se a directora de comunicação da CP te dissesse que não podes pintar os comboios. O que lhe dirias?


É fácil. Hoje a CP tem comboios que estão cobertos de publicidade e rodam com anúncios. No fundo, trata-se de desfigurar a carruagem da mesma forma que eu faço. 



Mas essa publicidade é paga e esse valor reverte no sentido do reinvestimento.


Essa é a única diferença. Eu não pago. Não tenho dinheiro para pagar mas quero que o meu nome esteja lá. Por isso, tenho de o pôr à sucapa… 



Porque razão queres ter o teu nome num comboio?


Porque a essência do Graffiti é espalhar o nome.  



Digamos, então, que ao fazer Graffiti se está à procura de notoriedade, é isso?


Trata-se da busca do preenchimento de um vazio… Agora, se esse vazio te pede vandalismo ou Hall of Fame isso depende. 



E achas que esse vazio é preenchido tendo o nome num comboio?

Acho que sim.  


Por uma questão de quê? Afirmação?


O Graffiti é fama. Não é mais nada. Fama é a regra número um. Graffiti não é decoração de lojas...  



Pode dizer-se que os writers que têm necessidade de escrever o seu nome várias vezes e incessantemente são narcisistas e egocêntricos?


Sim, é isso mesmo, trata-se de egocentrismo. O Graffiti é isso mesmo, é uma cena narcisista. O Graffiti é o teu nome. 



A internet também já chegou ao Graffiti como ferramenta de divulgação?


A internet veio matar a cena do Graffiti ilegal, porque qualquer pessoa pode fazer um graff giro e colocá-lo na net, e toda a gente fica a saber quem é essa pessoa que, se calhar, nunca «mandou» sequer um único tag. Há outros que têm um blog com dez fotos e acabam por ser muito mais conhecidos do que um desgraçado que não tem net mas espalha 500 tags por semana e 300 graffs por mês. E quem faz esses trabalhos todos pela cidade também os coloca na net para ter um resultado ainda mais brutal. Às pessoas que vêem no local acrescem as que vêem na net.  



Nesta altura fazes Graffiti porquê?


Neste momento já não faço pela fama, faço exclusivamente porque gosto. Eu só vivo do Graffiti. Faço pinturas, Hall of Fame, workshops com crianças. 



Achas que o Graffiti evoluiu de uma arte exclusivamente vândala para outra que o comum dos mortais começa agora a aceitar?


O Graffiti não evoluiu. O que chamam agora de street art não é evolução nenhuma do Graffiti. Isso é exactamente aquilo que já existia quando eu era miúdo e que não me fascinava. Essa forma de ilustrar não tem o desenho das letras. E o que acontece agora é que chamam Graffiti à sua transformação em algo banal que, pelos vistos, está mais perto do gosto das massas. 



Graffiti é?


Letras. O teu nome.




Por: Cátia Viegas

Fotos: Nomen


FREESTYLE/2009

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