Em 1991, Praga e Carlão tiveram o primeiro contacto com o palco e pegaram pela primeira vez num microfone para cantar Hip-Hop. Foi na festa de Nossa Senhora, no Bairro da Pedreira dos Húngaros. O grupo Nigga Poison, foi um dos primeiros a fazer Hip-Hop crioulo e surgiu em 1994. Mais tarde, em 2006, à dupla juntou-se o DJ Maskarilha. Desde então, a evolução da música que fazem é permanente e acompanha-lhes o crescimento, as vivências e as influências que afectam cada um 


Freestyle: O vosso nome e o da banda têm alguma interpretação especial por detrás?


Praga – Nigga representa a cena do mano e Poison é o veneno da sociedade representado na força da nossa música. É simples! Já o meu nome surgiu porque era um puto muito reguila que todos os dias passava visita à esquadra e dava cabo da cabeça dos polícias.

Karlon – O meu nome é Carlos Alberto. Ficou Karlon por causa de uma novela brasileira em que o personagem Carlão tinha um estilo cool.

Maskarilha – O meu nome surgiu de uma alcunha que usava na altura em que já misturava música. O DJ 30 Paus achou piada associar à cena de DJ a alcunha relativa ao que eu fazia numa outra vertente do Hip-Hop. Como, numa fase inicial, eu era um unknown, acabou por ficar Maskarilha.



Nota-se uma grande evolução entre o vosso primeiro e segundo trabalhos…


Praga – Sim, o primeiro era mais bruto, darkness e street. Mas as pessoas mudam…

Karlon – Entre o primeiro e o segundo trabalhos passaram cinco anos. Essa transição incluiu a passagem dos bairros de lata para os prédios do bairro social, onde moramos agora. A nossa música continua a ser e será sempre interventiva, mas nós mudámos para uma forma mais madura de retratar a realidade. À parte o facto de gostarmos de misturar estilos de música, essa é a única diferença que identifico de um trabalho para o outro.



Foi o vosso público de pediu a mudança?


Praga – Não. Nós é que mudámos e, naturalmente, a nossa música mudou connosco.



Actualmente, como a caracterizam?


Praga – Tem um carácter muito educativo, no sentido em que me sinto como o repórter do bairro que tenta transmitir o que de negativo vê lá dentro. Aproveitamos a música para falarmos da nossa realidade. Temos a preocupação de alertar os mais novos para as doenças sexualmente transmissíveis e outros perigos. Talvez porque, no passado, eu tenha feito muitas cenas que não devia se tivesse oportunidade de voltar a trás certamente não as repetiria. Cresci, a minha mentalidade mudou e agora vejo as coisas de outra forma.

Karlon – Nós não somos Deus para mudar o que quer que seja, mas temos consciência de que as prioridades de quem manda no nosso país estão trocadas. Eles relegam para segundo plano a integridade moral e física do ser humano em favor da expansão tecnológica, como acontece com o «Magalhães», por exemplo. Eu vou a Lisboa e vejo mais pobres nas ruas do que no meu bairro, que é considerado pobre, mas onde ninguém passa fome e todos tomam banho. O que nós fazemos na nossa música é denunciar estas situações.



Toda a cultura Hip-Hop está muito ligada à violência e aos 
gangsters do bairro.
 Vocês subscrevem esse estereótipo? 


Praga – Gangster tem guita, tem dinheiro no banco. Qual é o gangster que vive na casa dos pais e anda de transportes públicos, como aliás acontece com a maior parte dos rappers do bairro? No Hip-Hop não há gangsters. A mim, o Hip-Hop salvou-me. Se não estivesse a fazer rap, provavelmente estaria preso. Quando vou fazer rimas para casa dos meus amigos saio da rua. Se tiver ensaios não estou na rua. Quando vou gravar para o estúdio, deixo de estar na rua. O rap tira-me da rua e salvou-me! Ajudou-me bastante mesmo.

Karlon – A nossa realidade não é igual à dos Estados Unidos. Nós preferimos usar o nosso rap para intervir positivamente.

Maskarilha – A todo o momento penso em criar e em tentar inovar na minha música. Se o pensamento estiver focado ali não estará noutras coisas menos boas…



Numa palavra o que é para vocês o Hip-Hop?


Praga – Festa.

Karlon – Confiança.

Maskarilha – Dedicação.



Como é o vosso processo de criação?


Praga – Chego ao estúdio, ouço o beat do Maskarilha. Paro uma beca. Dão-me uma hora, hora e meia e faço a cena mesmo ali. Tenho um flow, entro e já estou a gravar. Não sou do tipo que decora pelo papel. É na hora!

Maskarilha – Ele escreve na hora e, de repente, diz: «Vou gravar». Acho que o processo de criação do Praga é muito natural, semelhante ao de um pintor…Dás-lhe uma tela e um pincel e ele pinta. Não há esboços. O vício e a prática dão-lhe a pica necessária porque a cabeça está sempre a trabalhar. Além disso, a música dos Nigga Poison surge quando tenho pronto o instrumental e ganha forma com a voz e as líricas deles!

Karlon – Na maioria das vezes surge espontaneamente, mas também há casos em que demoramos mais tempo para observar melhor o instrumental.


Escrevem muito?


Praga – Escrevo todos os dias. Tenho de estar sempre a trabalhar porque também faço colaborações para álbuns de amigos. Uma pessoa tem de estar sempre atenta.

Karlon – Sim. Mas passo por momentos de absorção e respiração de cada tema e por outros de descarga criativa, após uma reflexão mais ponderada.


Quando não escreves sentes necessidade de escrever?


Praga – Sinto. Tornou-se um vício.



De onde vem essa inspiração?


Praga – Acho que é um dom que Deus me deu, a mim e a todos os rappers



Vocês são os poetas deste século?


Praga – Não sou a pessoa mais indicada para avaliar… Mas, talvez sejamos poetas vadios. Há quem nos considere poetas e quem nos considere malucos… Não sei…


Em relação a este último trabalho. Quais são os estilos que vamos poder ouvir?

Praga – Raggareggae, música do mundo. O nosso trabalho está muito versátil. Criar e inovar foram as prioridades. 

Maskarilha – Tem uma mistura com influências afro, electrónica, reggaeragga e música do mundo. 

Karlon – Sem esquecer um bocadinho de house.



Como é que isso acontece?


Praga – Decorre das nossas vivências anteriores.

Maskarilha – Através do que ouvimos e vivemos.



É fácil trabalhar a três?


Praga – Nem sempre estamos de acordo, mas acabamos por chegar a um entendimento, no respeito pelo trabalho uns dos outros. Aliás, por algum motivo, já trabalho com o Karlon há 14 anos. Trabalhamos bacano. Somos sempre frontais e directos quando não gostamos. Não há barreiras.

Karlon – Quando não estamos de acordo, votamos democraticamente uma vez que cada cabeça tem uma opinião diferente. O objectivo do trabalho de equipa é justificar uma evolução para o bem do grupo.

Maskarilha – Trabalhamos tudo em estúdio. Desde o instrumental apresentado, passando pelas rimas e pela gravação. O resto são só pormenores que entram no final para tornar a música mais forte e audível.



Como é que te estás a dar como Produtor e DJ?


Maskarilha – Tenho experiência de produção há alguns anos, mas tive sempre problemas logísticos por não ter estúdio e material suficiente para criar. Neste momento, isso deixou de ser problema, porque tenho o meu estúdio e material. Agora só preciso de tempo para criar.



Quantas horas dedicam à música?


Maskarilha – É a tempo inteiro. Acordo e tenho objectivos a concretizar durante o meu dia e todos estão ligados à música e ao grupo. Às vezes, posso estar 10 horas a trabalhar e a ensaiar ou a produzir uma música. 

Karlon – Há marés em que faço directas, dedicado ao trabalho que estou a fazer naquele momento. Mas há fases em que me apago para reflexão e observação do que me rodeia. 


Qual é a expectativa que tens em relação a este último trabalho, relativamente às críticas do público?


Praga – Estamos a fazer os possíveis para fazer um óptimo trabalho final mas quem manda é o público. E nós estamos preparados para ouvir as críticas de quem nos ouve.

Karlon – Sinto-me confiante, o álbum está com muito néctar. Já fechámos as vozes e tenho estado a ouvir as músicas e elas não me cansam. O produto final está muito bom e sólido.



E a beefs? Respondem a provocações?


Praga – Certas pessoas tentam ganhar buzz com beefs. Nós não temos necessidade de responder através da nossa música. Além do mais, se o fizéssemos, estaríamos a dar ainda mais buzz.


Geralmente tratamos dessas situações pessoalmente. Nós temos o respeito do nosso público e quem gosta não vai deixar de gostar. Eu não vou matar o meu cérebro para fazer uma música de resposta a provocações. Já somos crescidinhos e não vamos estar a fazer alguma coisa para desencaminhar os chavalos. Como mais velho vou aconselhar. Além do mais sabemos que há pessoas que curtem a nossa música e deixam de curtir quem nos provoca.

Karlon – Já não brincamos aos MC’s. Quando entram em beefs connosco estão a interferir directamente no nosso trabalho, mas não são as críticas que nos vão desconcentrar. O que queremos é evoluir no sentido positivo e essa evolução não tem lugar para a resposta a beefs.


Querem comentar as opiniões que referem que a vossa música deixou de ser street e passou a ser comercial? 


Praga – Eu não percebo isso. Faço rimas para poder viver da minha música. O que é que isso tem de mal? Quem é o artista que não quer vender o seu trabalho e ter reconhecimento pela dedicação que tem à música que faz? StreetUnderground? O que é o underground senão a raiz do Hip-Hop? Nos Estados Unidos mesmo que vendas 5 mil ou 10 mil continuas a ser underground. Só os que têm dor de cotovelo por não venderem é que dizem que underground significa não vender. Há pessoal que se está sempre a queixar e a quem só me apetece dizer-lhes: «Não te queixes. Mexe-te. Trabalha. Dedica-te. Ou então, faz música, grava um cd e oferece-o no Cais do Sodré a quem passa». Assim já não vende.

Karlon – A partir do momento em editas um trabalho e estás na indústria vendes o teu produto. Há quem tenha mais projecção, há quem tenha menos. No nosso caso, a projecção de cada trabalho não interfere com a raiz underground do nosso Hip-Hop.



Será que alguém vive do ar?


Praga – Ai é que está. Não! Claro que não! A raiz underground do Hip-Hop também tem de vender. Eu curto ouvir a minha música e gosto de ter reconhecimento meritório pelos meus trabalhos. Eu faço rap para sair do bairro. Eu não faço rap para ficar no gueto. «Ah e tal, fazes rap para as damas então és comercial. Só podes falar das cenas negativas.» Eu respondo: O meu Hip-Hop fala da minha vida e a minha vida engloba as mulheres que me rodeiam. Hip-Hop pode ser uma cena interventiva e educativa no sentido de dizer aos mais novos: «vai estudar e faz o que os teus pais não puderam fazer». Nós queremos é ser músicos e ter os nossos trabalhos reconhecidos. Mas, para a cabeça de alguns, vender música é vender a alma e essa interpretação está errada. Nós só queremos o reconhecimento do nosso trabalho.

Karlon – Às vezes, há músicas que, mesmo tendo uma mensagem muito underground, atingem um sucesso mediático de tal ordem que passam a ser comerciais. Porquê? Elas não deixam de ser underground por serem ouvidas… Cada músico deve fazer o seu trabalho mediante a sua própria realidade. 

Maskarilha – Como é que eu vou ter o meu estúdio e pôr comida na mesa se não tenho a minha música reconhecida e a ser ouvida em todo o lado?



Fostes a primeira banda de rap crioulo. Não há risco de a vossa raiz deixar de existir?


Praga – No bairro só falamos em crioulo. Isso é o que nos corre nas veias e está fora de questão largar as nossas raízes, queremos é fazer a mistura de uma série géneros musicais. Nós inovamos e gostamos do produto final. Quem não inova é porque não tem talento, tem sempre o mesmo flow e faz sempre a rima em cima das mesmas 16 barras. Eu tenho talento para criar outras coisas e é disso que vou à procura, quando estou a trabalhar. 



Quero saber a vossa opinião sobre a net como instrumento de divulgação dos vossos trabalhos?


Praga – Desde que pusemos o Medley no MySpace temos 500 visitantes por dia, dessa forma acho que a net é uma boa ponte.

Karlon – Sem dúvida.



Quem tem mais groopies?


Praga – Eu tenho a minha namorada e estou muito bem como estou. Mas costumam dizer que tenho mau feitio e a mania que sou mau e que não dou confiança. As groopies são mais com o Carlão e com o Maskarilha por causa dos olhos azuis. 

Maskarilha – Até parece…

Karlon – Não sei, não ligo muito a isso. Acho que é a palavra groopies tem uma conotação um bocado ofensiva, mas não nos podemos esquecer que são as pessoas que gostam do nosso trabalho que nos dão força para continuarmos a criar… 




Por: Cátia Viegas

Fotos: Martim Borges


FREESTYLE/2009

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