Os Mentis-Afro são um grupo da linha de Sintra, mais propriamente da Amadora, que nos tem vindo a surpreender com a sua mensagem, postura e empenho pela cultura Hip-Hop. Focados no seu trabalho, com um álbum nas ruas e cheios de projectos, já construíram o seu espaço no movimento


Freestyle – Falem um pouco sobre o projecto Mentis-Afro.


Ghoya – Primeiro, para que as pessoas percebam quem são os Mentis-Afro temos que explicar como surgiu o projecto e que não somos um grupo de intervenientes do rap que resolveu participar numa compilação, ou algo do género. 

 


Como começou tudo?


Ghoya – Quando regressei da reclusão já possuía a base do projecto que, inicialmente, tinha o nome «Universu Afro». Voltei ao activo, uma semana depois de ter saído da prisão, e dirigi-me junto do Boss a fim de o conhecer para que fizesse parte do grupo. Eu e ele e éramos do mesmo gueto, Bairro das Fontainhas (BFH/Portas de Benfica). Depois de algumas impressões e de alguns freestyles o Boss informou-me que a sua irmã, Yaroshima, também fazia rap. Como era uma jovem que tinha muito para dizer, o Boss só teve que puxar um pouco por ela, que acabou por se juntar nós. Seriamos, assim, os primeiros membros dos Mentis-Afro. Escusado será dizer que já estava pré-destinado que os restantes membros do grupo fossem: Editox (MS, Red Eyes), Moreno (oriundo também das Fontainhas), Dibela, Kamé (de momento detido à espera de ser julgado), Souzha (recém-saído da prisão), Fénix (a cumprir pena) e Manga (a cumprir pena). Todos estes membros fazem parte do projecto desde a raiz. A base dos Mentis-Afro é respeito e entreajuda, tanto a nível pessoal, como profissional. Cada um faz a sua contribuição para o grupo.



O Boss já é um nome predominante para quem está dentro do Rap Kriolo


Moreno – O Boss não é nenhum desconhecido e é um nome forte no Rap Kriolo. Já vem dos tempos dos BFH, um dos grupos pioneiros do rap Kriolo (década 90). Participou numa compilação há dois anos, chamada Putus Ki a Ta Kria e conta com alguns trabalhos a solo. Ele de momento está a trabalhar no seu projecto a solo que se vai chamar: Mundu ta da volta.



Algumas músicas do álbum do Ghoya já eram do grupo Mentis-Afro, correcto?


Ghoya – Sim, as músicas Novus tempus otus muves, Kriolurap e Diturpa nós storia gravadas pelo grupo e divulgadas no meu álbum Di otu ladu lei em 2007/2008, álbum este que estava para ser lançado pela editora Sonoterapia, mas que não foi avante devido a problemas internos. Por esta altura, Mentis-Afro já pensavam em algo maior do que apenas três faixas. Decidimos todos que o grupo precisava do seu próprio espaço e é aí que o Editox e Moreno se juntaram ao grupo, ambos já com vasto conhecimento no universo Rap.



Que músicas o Editox produziu para Mentis-Afro?


Moreno – O Editox é um excelente produtor. O álbum Mundu infernal é produzido por ele, para a Mentis Afro Records, com excepção das faixas Koka Dhomis (Maiko), Nmesti nha pistola (Gbeatz) e Bus fidjus kre odjau (Gbeatz). Não começou nada mal... as ruas sabem.



Qual a tua função nos Mentis-Afro, Moreno?


Moreno – Divulgação e relações públicas, design, organização, fotografias, vídeos... Ultimamente, tenho contribuído também com produções de instrumentais para o grupo.  



Como vêem o movimento e de que forma se integram nele?


Moreno – Vemos o movimento a crescer tanto no bom como, infelizmente, no mau sentido, embora faça parte. Integramos o movimento da mesma forma que o movimento se integra em nós. Quando nos é dado amor, contribuímos com amor a dobrar, quando nos é dado ódio, contribuímos com ódio também a dobrar. Nós somos o mundo no qual vivemos e contribuímos da forma que está a vista. Ti kaba na nada.



O vosso álbum é muito diversificado e focam bastante a vossa vida no bairro. De que forma influencia ela o vosso Rap?


Boss – Em tudo. Desde o facto de eu ter perdido os meus pais e irmãos bem cedo, de ter passado pelas dificuldades que todos os nossos patrícios passam na nossa comunidade. Na exclusão social, no abuso policial e nas cicatrizes que nos marcaram na perda dos nossos manos nas mãos da polícia. Até à força de vencer e à vontade de viver, mesmo estando a sofrer.



Que tipo de mensagem pretendem transmitir e a quem se direccionam?


Ghoya – Pretendemos transmitir a verdadeira justiça, a verdadeira liberdade, a verdadeira igualdade, num mundo infernal em que todos queremos assumir as nossas diferenças e não a nossa igualdade, na qualidade de ser humano para com o próximo. Nós direccionamo-nos ao público de todas as faixas etárias e etnias. Seria hipócrita da nossa parte dizer que não nos focamos um pouco mais nos problemas que nos rodeiam e com os quais lidamos no nosso dia-a-dia. 



Como estão a correr as gravações do segundo álbum?


Moreno – Graças a Deus, está em curso. Está previsto sair no Inverno, aquecendo espiritualmente todos os amantes do Rap.



Ghoya, também estás a gravar um álbum a solo?


Ghoya – Sim, estou a trabalhar o meu álbum a solo... Graças a Deus, as coisas têm estado a correr como têm de correr. Entro no estúdio focado essencialmente no meu trabalho, faço o que tenho a fazer, sem pensar em pisar alguém ou passar à frente, mas sim reconhecer que atingi os meus objectivos. Não tenciono estar aqui a brincar e simplesmente dizer às pessoas «ya o Rap é fixe», nem que o Rap é o melhor género musical do mundo. Não quero desrespeitar os outros géneros de música, mas também não quero ser desrespeitado. 



 

Em relação ao Rap kriolo?


Ghoya – Sim, já agora, aproveito para dizer que a expressão rap kriolo só começou a ser mais usada quando o rap deixou de ser algo geral em Portugal. É mais do que óbvio que grande parte dos protagonistas do rap kriolo sente necessidade em rotular-se, pois são excluídos do movimento. Muita gente usa o pretexto do dialecto e o contexto social para marginalizar o nosso Rap. Tenho estado a trabalhar no meu próximo álbum e não vou ser elitista, vou ser o mais abrangente possível para chegar a todas as faixas etárias, étnicas e religiosas em Portugal. Vou ser sempre eu a tentar evoluir como ser humano. Estou muito satisfeito por estar a gravar o meu quarto projecto a solo.



Ghoya, muita gente te compara com o 2 Pac. Que tens a dizer sobre isto?


Ghoya – É claramente um motivo de contentamento para mim ser associado a uma lenda do rap... é um excelente rapper e só tenho de estar feliz. Há quem ache que sim e quem ache que não... não ficarei melhor comigo por causa dos que acham que sim, nem ficarei pior comigo por causa dos que acham que não. Aos que me acham parecido com o Shakur um obrigado por apreciarem o meu trabalho ao ponto de me compararem com um tão majestoso rapper. Aos que são de outra opinião um obrigado também, porque essas opiniões me estimulam, sejam elas negativas ou não...Não sei o que é melhor ou pior nisto tudo, porque não estou nem aí, mano. O importante é nunca esquecer quem sou e o que represento. As pessoas pensarem que isso tem um impacto extremo no que faço é irrealista. O Ghoya será sempre o Ghoya (risos).



Yaroshima, és das MC's mais jovens do movimento. Como te sentes em relação a isso?


Yaroshima – Normal. Faço o que gosto sem dar importância à minha idade. Penso que se me agarrar no facto de ser das MC’s mais jovens do movimento estarei a comparar-me com algo ou alguém. Não comparo trabalhos, como também não comparo o amor. Estou no movimento por amor, por isso o factor idade não é o mais importante. Dá-me mais força para continuar a tirar partido do que o facto de ser mais jovem, mais anos de percurso pela frente, para aprender e evoluir, como rapper e pessoa.



Sei que tiveste de crescer muito rápido devido a problemas na tua vida. Achas que o Hip-Hop te ajudou a enfrentar alguns desses problemas?


Yaroshima - Sim ajudou, mas nos primeiros passos penso que foi ao contrário.  Digamos que o início da minha caminhada no movimento rap foi devido ao meu difícil percurso de vida. O exemplo a seguir foi o meu irmão (Boss). O facto de ter crescido rápido quebrou dificuldades e barreiras para expressar certos acontecimentos que me marcaram ao longo dos anos. Hoje, é esta envolvência com o hip-hop/rap que me ajuda a ultrapassar certas dificuldades, barreiras, momentos difíceis, tristes e infelizes. O facto de eu fazer rap e o sentir eleva-me a alma e fortalece-me psicologicamente. Sim!, o rap ajudou-me a encarar e a enfrentar os diversos problemas.



Boss, qual foi o benefício que tiraste em ter participado no projecto Putos Qui A Ta Cria?


Boss – Foram vários. Desde a troca de experiências, ao conhecimento de outras realidades, à oportunidade de trabalhar com MC's de diferentes comunidades e bairros, até ao benefício de participar num projecto com uma dimensão reconhecida além fronteiras. Este projecto teve um papel importante na minha caminhada como MC e também como ser humano, por ter trocado experiências com outros manos do movimento (DJ's, MC's, B-boy's, fotógrafos, manos e manas de várias áreas). Agradeço a todos os que estiveram em torno do projecto, pelo modo positivo ou negativo com que me deram a conhecer as várias facetas do ser humano.



Qual era o objectivo desse projecto?


Boss - Era chegar ao público-alvo (crianças, adolescentes e jovens) dando a conhecer as nossas e outras realidades, alertando para os perigos que correm e informar sobre  os nossos direitos e deveres.



Sei que também estás envolvido em projectos de solidariedade social?


Boss - Sim, é um que está em curso para se realizar brevemente e tem o nome Tudu ta midjora. Neste projecto todos nós podemos contribuir com pequenos, mas significativos materiais escolares (desde caderno, lápis, afiador, borracha...). Não iremos focar-nos apenas na educação, mas também no bem-estar das crianças, jovens e adultos. Relembro que este será o primeiro passo de muitos mais que poderão surgir com o apoio e a força de vontade de cada um, para contribuir para o sorriso de muitas crianças.



O Moreno falou do teu álbum a solo. Queres adiantar algo?


Boss - Vou começar a trabalhar em breve e terá o nome Mundu ta da volta. Aproveito para dizer que o meu trabalho vai retratar algumas situações e fases da minha vida, desde o meu nascimento num estabelecimento prisional, aos problemas que enfrentei durante o meu difícil crescimento. Também quero transmitir força, esperança e moral a todos os que estão a passar por estas ou por outras situações desagradáveis. Não se deixem abater porque enquanto há vida há esperança, e lembrem-se que nunca devemos deixar de acreditar naquilo que queremos porque o Mundo ta da volta. O importante é que se esteja sempre consciente da nossa realidade e onde podemos chegar.  



Palavras finais.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    


Ghoya – Queremos agradecer a todo o pessoal que tem marcado presença nos nossos concertos, sites, etc...que também nos abordam nas ruas e que têm demonstrado muito amor e afecto.

Boss e Yaroshima - Aos nossos falecidos pais, ao Rap, que nos tem dado forças para sobreviver mesmo sem eles, e a todos/as os/as manos e manas que têm dado o seu precioso apoio ao movimento.

Moreno - Um grande obrigado ao pessoal da revista, pela oportunidade de dar a conhecer a família Mentis-Afro. Esperamos que a revista continue por muitos e muitos anos. Ao pessoal da HipHopSouEu. Para os tropas de cana, mantenham a cabeça levantada, como disse o tropa Ghoya: «Alegria ta ben di manham». Não percam a esperança, um dia a liberdade chegará para todos os que lutam para um pão-nosso de cada dia e para todos os intervenientes do movimento Hip-Hop, quer por dentro ou por fora. Só com unidade e luta podemos levar o Hip-Hop além fronteiras, para que cada vez mais possam ouvir a nossa intervenção.




Por: Joaquim Meireles

Fotos: Martim Borges


Freestyle/2009


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