La Dupla é um grupo que tem crescido imenso no movimento Hip Hop nacional. As influências variadas e a sua maturidade confere-lhes uma sonoridade característica, própria e única. Em busca do "Palco Principal", fomos conhecer mais de Espanhol e Nessa numa entrevista muito agradável

Freestyle: Como foi o vosso primeiro contacto com o rap?

Nessa – Foi através de família, tinha uns 14 ou 15 anos. Eles ouviam bastante Rap e foi por essa altura que comecei a escrever. Não gravava ainda, mas consumia muito Rap, também pela curiosidade. Com 16 comecei a gravar sons e a cantar. 
Espanhol – O meu primeiro contacto com Rap foi aos 5 anos. Tinha chegado a Portugal e vi os Run DMC na MTV. Não sabia o que era aquilo, nem sequer apanhava o som, apenas curtia imenso da imagem deles e isso ficou para sempre marcado na minha memória. Por volta dos 10/11 anos, comecei a ouvir mais West Coast Rap, Wu Tang Clan e mais Rap americano, depois tive contacto com Rap português, em Almada, com M.A.C. e através dos discos de Mind Da Gap, Sam e Chullage. A partir daí fui desenvolvendo o gosto e a escrita.
Nessa – Agora que mencionaste MDG… o primeiro concerto de Rap que vi foi MDG, no Avante, com 13 anos e ver o público a acompanhar e a cantar as músicas… Achei estranho como conseguiam quando aquilo era tudo tão rápido… (risos)


A criação de La Dupla aconteceu como?

Espanhol – Isso tem história e essa história tem segredos, que nunca revelámos. Talvez num dia especial (risos).


Vocês já escreviam ou foi só depois de criarem o grupo?

Nessa – A minha primeira participação foi com o Espanhol. Até aí já tinha feito coisas sozinha, mas nada de relevante. 
Espanhol – Eu já tinha alguns “anos de casa”, mas era um miúdo e era tudo a um nível muito primário, mas escrevia e gravava algumas coisas, principalmente com beats da net. Depois, felizmente, tive contacto com o Gino dos Factos Reais e com o Dani dos M.A.C. e tornou-se mais sério. Foi por essa altura que conheci a Nessa e formámos La Dupla.


Quão importante foi a vitória no “Concurso Novos Valores JCP” para o vosso início?

Nessa – Foi importante porque tínhamos pouca experiencia e sempre fomos um grupo que, desde o início, se pautou por dar muitos concertos. Esse concurso, desde o princípio até ao momento final, que foi o concerto no Avante, deu-nos muita experiência e bagagem, desde contacto com o público, à postura em palco. Deu-nos muita “estaleca”. Tivemos de estar em contacto com público que não era só “Hip Hop”. É um público que vai ao concerto, ouve a música e, se gostar apoia, se não gostar fica indiferente. Isso deu-nos uma auto-estima e confiança maiores e, como éramos muito novos, não tínhamos consciência do que estávamos a conseguir. Isso abriu e aumentou a nossa capacidade de sonhar. Principalmente foi isso que nos fez dar um rumo para este novo álbum, mais “live act”.


Foi isso que vos deu o à-vontade e postura em palco de hoje em dia?

Nessa – Sem dúvida. Nós, através disso, estamos habituados a tocar para um público não só destinado ao Hip Hop mas, também, mais abrangente. Desde o início que o nosso tipo de música acaba também por ser mais abrangente, sentimos essa necessidade de cativar o público. Uma coisa que nós não gostamos é de pedir “barulho” ou “Palmas”, queremos incentivar quem nos ouve a fazê-lo apenas através da música.


A vossa sonoridade não é aquela que se “espera” de um grupo de Rap. Essas experiências contribuíram para tanto ou foi algo que o grupo definiu desde o início como prioridade?

Espanhol – Nós nunca definimos o tipo de sonoridade que queríamos fazer. No entanto, somos pessoas bastante decididas. A essência sempre foi Rap, mas temos uma forma bastante particular de ver as coisas e de nos debruçarmos sobre elas, ou seja, dentro da essência Rap / Hip Hop, a abordagem que nós temos tido aparece naturalmente e, como temos uma vertente ao vivo bastante forte, foi-nos dando vontade e curiosidade de experimentar outras coisas em palco. A partir daí surgiu a ideia de convidar outros músicos e abriu-nos caminho para uma sonoridade que, atrevo-me a dizer, é só de La Dupla, mas com essência Hip Hop.


Nesse mesmo ano, 2006, foi lançado o vosso trabalho “A Apresentação”, primeiro registo discográfico. Como foi o feedback?

Espanhol – Foi bom. Aliás, o feedback de um disco acaba por ser sempre bom. Mesmo havendo más críticas sobre um trabalho, nós, enquanto artistas, vemos sempre novas formas de nos descobrirmos e recriarmos. Mas, como primeiro disco que lançámos, que nem foi um álbum ou um EP, acho que foi até um “disco pirata”. É que primeiro colocámos o disco à venda e só depois de darmos concertos com as músicas deste, é que o colocámos como oferta. Foi importante. Éramos muito novos e não tínhamos aparecido em nenhuma compilação ou mixtape, chamou-se “A Apresentação” mesmo por ser o nosso cartão de visita.


Em 2008, voltaram a vencer outro concurso, o Concurso Música Moderna de Almada, já com o “Palco Principal” como projecto. Foi uma forma de mostrarem e de darem início a este novo trabalho?

Nessa – Como o Espanhol estava a dizer, o grupo pauta-se muito pela liberdade musical. Sendo um concurso de Musica Moderna, achámos que tínhamos de entrar com mais armas e não só o básico MC / DJ. Acho que isso acaba por ser um pouco redutor. Não digo que seja mau, eu adoro esse tipo de modelo. Contudo, para competirmos com outros músicos e bandas, também temos de aprender a ser músicos e o que acabámos por fazer foi isso, uma experiência com o Nuno Faria, com back vocals como a Jay e a Mary, com o X-Acto, entre outros. Foi importante, porque criámos um espectáculo para o concurso, o que nos obrigou a trabalhar e a abrir as mentes para algo mais musical. Deu-nos até um certo rumo para o EP e para o próprio álbum. Conseguimos marcar um estilo que, como o Espanhol disse, acaba por ser La Dupla. 


Como é que conheceram o X-Acto e como decidiram dar início à colaboração para este EP?

Espanhol – Essa é uma história que o X-Acto adora contar. Foi em 2006, numa festa em que nós íamos dar o primeiro concerto do trabalho “A Apresentação”, em Torres Vedras. Era uma festa feita pelo Okulto que tinha a vontade de fazer um concerto de novos valores, não só de Rappers como DJ’s. O X-Acto não era convidado, era o G.I. Joe, mas, como ele não pôde ir, disse ao X-Acto para o substituir. Como DJ residente, ele estava a acompanhar os artistas, e também o fez connosco. Nós curtimos, no final do concerto fomos falar com ele, convidámo-lo para ser o nosso DJ como participação e desde então ele faz parte da família La Dupla.


As várias presenças, participações, colaborações com artistas fora do meio Hip Hop, trazem-vos experiências positivas? Planeiam continuar com essas colaborações?

Nessa – Sem dúvida e ainda mais. Temos perspectivas ainda maiores, queremos alcançar uma abordagem mais forte do que a obtida no EP, que foi mínima. Não nos queremos cingir a participações só portuguesas, vamos ter no álbum algumas estrangeiras, mas não posso adiantar nomes. Pretendemos também ter participações portuguesas fora do Rap e achamos que isso completa La Dupla e acaba por nos enriquecer e enriquecer o nosso trabalho. La Dupla é também uma expansão no mundo musical. O facto de estarmos a trabalhar com o Nuno Faria, com o X-Acto, com o Gilsongee, torna tudo muito enriquecedor, porque temos todos perspectivas diferentes. O que para nós pode ser óptimo, para eles pode ser bom, mas pode ser melhorado; o que para eles pode ser muito bom, para nós pode ser wack mas pode ser melhorado e ai é que se encontra um pouco a fusão de La Dupla e acaba por ser muito interessante. Acabamos por ter aquilo que o Espanhol estava a dizer: críticas que nós prezamos muito e que nos dão uma perspectiva e maturidade musical muito maiores. Nós somos Rappers, até nos podemos denominar de músicos, mas não temos a experiência musical que estes artistas têm, o que permite ir mais além nas músicas.
Espanhol – Eu acredito e vejo a música não só como Rap, mas também não vejo o Rap só como um estilo de música. Acho que o Rap é mais do que isso, e uma música não é só um certo estilo. O que é para mim, pode não ser para um terceiro. Nós em La Dupla temos a função de Rappers, cantores, mas só isso não chega para o conceito que La Dupla tem desenvolvido ao longo do tempo e isso tem de ser suportado por uma banda e por pessoas que consigam perceber os nossos objectivos e as nossas ideias a longo prazo, estetica e musicalmente. Como nós temos a questão das raízes atrás de nós, não queremos fazer coisas do passado, queremos agarrar na nossa essência e, a partir daí, desenvolver cada vez mais o nosso estilo, faz-nos todo o sentido continuar a fazer participações no Rap e fora do Rap.


Como surgiu a ideia dos episódios e do acompanhamento ao álbum/Ep, que foram colocando na net?

Espanhol – Sou eu o culpado. Nós estávamos numa situação em que queríamos dar a conhecer de novo La Dupla, como um grupo de rap mais maduro e coeso e achava muito importante a relação de uma banda com o público. Acho que uma banda não existe se não tiver um público. No nosso caso, como referimos, não temos um público definido, embora tenhamos vários públicos. Decidimos, então, criar um conceito que usasse as plataformas online que, de certa forma, são grátis e, para uma banda em início de carreira como nós, é excelente, de modo a poder fomentar essa relação com o público. A partir daí, foi pegar no conceito do disco “Palco Principal”. Sempre que íamos ter com algum produtor com quem sabíamos que íamos trabalhar, filmávamos. Não por uma questão de entrevista, mas para dar a conhecer o ambiente em que nós e eles trabalhávamos e também a nossa relação. Afinal, nós não temos uma relação profissional como músicos, apesar de termos uma atitude profissional. É muito à base de “Eu sinto o teu trabalho, tu sentes o meu” e, a partir daí, damo-nos enquanto pessoas. Acho que resultou bem.


E pretendem continuar?

Espanhol – Não. Acho que resultou bem naquele momento. Continuo a gravar e fazer registos de muito daquilo que fazemos, mas acho que o conceito do “A caminho do Palco Principal TV” perdeu-se porque marcou uma altura, uma época que era a construção do suposto disco. Quem sabe, com o disco pode vir toda a saga.
Nessa – Deixa-me só acrescentar que, como estávamos muito no início da nossa “carreira”, isso também foi importante para dar a conhecer a parte pessoal do grupo “Quem são os La Dupla?” “Quem é a Nessa?, Quem é o Espanhol?, quem é o X-Acto?” Isso foi importante para sermos mais facilmente reconhecidos e também mostrava a nossa faceta não só  enquanto rappers, mas também pessoas ditas “normais”, com vidas paralelas. Se houver algum registo nesse sentido agora será mais virado para concertos, algo mais maduro, mais direccionado para o álbum.


Vocês dão muita importância ao público?

Espanhol – Muita mesmo. Acho que uma banda só sobrevive com o público. Todos os artistas são egocêntricos, falam da vida deles e do que sentem, mas o público entra a partir do momento em que és ouvido. Podes estar a falar, a cantar, mas só vais ter importância se houver pessoas dispostas a ouvir-te. A partir do momento em que fazes uma música, ela deixa de ser tua. É em parte tua, mas é expansível. Eu e a Nessa tanto podemos ser completamente diferentes de qualquer outra pessoa, como não. Pode haver alguém em Aveiro, no Porto, com uma história semelhante, com uma situação de vida semelhante e isso é super importante, a identificação do público com a banda e com a música dessa banda. Porque é que se define um público-alvo? Porque há uma identificação do público para com a banda. No nosso caso, quando queremos promover La Dupla, resume-se a isso.
Nessa – Se não tens público não dás um concerto. A química de um concerto, do público sentir empatia por ti, apoiar-te, bater palmas, rir, chorar, isso vale por tudo e é o que, no fundo, faz um músico viver. Ninguém faz sons, nem música para si, eu não acredito nisso. Acredito que quando as pessoas fazem música já estão a pensar no público e em quem vai ouvir, qual será a reacção. Nunca fazemos música para nós, senão não haveria música, seria feita e guardada em casa. Acho que o conceito de poder partilhar algo, principalmente ao vivo, é uma entrega total e o público merece, ouvir em CD, em formato áudio e poder ver o artista ao vivo. Ver se a postura dele se coaduna com o discurso musical  é importante.


Acham que faz falta mais concertos e que haja mais eventos no geral?

Nessa – Acredito plenamente que sim. Há muitos concertos, mas poucos com qualidade. É importante, se queremos ter certos apoios e ser vistos de certa maneira, temos de ter essa atitude em palco e transparecer isso. Não podemos pedir mais sem dar mais, temos de subir a fasquia. 
Espanhol – Eu penso que não deve haver uma desculpa para haver concertos de Rap. Deve-se fomentar a cultura dos concertos, porque é aí que vive a tal cultura Hip Hop. Todo este frenesim musical e do público só acontece porque há essa interacção e ela tem de ser pessoal. O público interessado em música e concertos quer ver os artistas ao vivo. E não deve haver medo de não ter público, pois  o mesmo conquista-se.
Nessa – Eu concordo muito com isso. Nós que estamos no Hip Hop, vamos a um concerto, ouvimos, curtimos, há convívio e saímos de lá com uma boa vibe. No entanto, vivemos numa época de rivalidades estúpidas que se devem ultrapassar  para poder atingir objectivos maiores.
Espanhol – Em relação ao que eu disse, não acho necessário lançar um disco ou um rapper estrangeiro vir a Portugal para se fazerem concertos. A iniciativa deve partir dos próprios artistas e não esperar por algo. Devem-se dar concertos espaçadamente para se manter o público a par do trabalho que estamos a fazer.


Quando começaram, focaram-se muito em concertos e em mostrar-vos ao público. Como comparam esse vosso início ao que se pratica agora, em que a internet “tomou” um pouco esse papel?

Nessa – É um pouco o que estávamos a dizer. Um músico tem de saber apresentar-se em palco. Principalmente se é Rapper. A veia de um rapper vê-se ao vivo. Até se consegue passar esse feeling numa música, mas ao vivo é tudo completamente diferente. Para mim ver-te actuar é a prova de que és um bom rapper. Se rebentares o palco e conquistares o público, é o mais importante.
Espanhol – A internet faz parte dos novos tempos. Não é algo actual, já está fixada, é uma ferramenta útil, que deve ser usada como um complemento. 


O EP "A caminho do Palco Principal" tem sido bastante rodado em actuações ao vivo. Como tem sido a recepção do público?

Espanhol – Não vou dizer nem boa nem má, tem sido positiva e variada. Optámos por fazer apenas showcases, porque achámos que primeiro tínhamos de conceber o espectáculo em palco e alcançar um nível pessoal com o público. É algo mais comprometedor. Os showcases que fizemos pelas Fnacs de Norte a Sul  tiveram um público muito variado,  desde fãs Rap até curiosos de 60 e tal anos. Houve um concerto na Fnac do Norte Shopping em que tocámos uma música que não faz parte do EP, o “Word Up” e mal acaba o concerto vemos um casal, já com uma idade avançada, em que ele se levanta, ergue o braço e diz “Word Up” no final. Eu fiquei surpreendido e contente. As pessoas olham, vêem um DJ, julgam que é música algo relacionado com a electrónica. Depois vêem o contrabaixo, já ficam a pensar no que será. Quando vêem a percussão e dois rappers a subir ao palco, mesmo que não gostem, desperta-lhes curiosidade. Esse foi um dos objectivos cumpridos desde o início, que foi fazer com que todas as pessoas que vissem os instrumentos e tivessem curiosidade ficassem sempre até ao fim de cada concerto.
Nessa – Na sequência do que estávamos a falar do público e com a referência do Espanhol ao tal casal, isso faz-nos crer que o nosso público pode ir desde o 1 ano aos 100, porque se nos fizermos entender musicalmente, qualquer que seja o estilo, é já uma aposta ganha.  


O EP tem músicas que vão estar no álbum?


Espanhol – Não, porque nós temos uma maneira muito própria de trabalhar e o EP marcou uma época. Não digo que os sons morram aqui, eu acho que os sons vivem independentemente do tempo, mas para o álbum será tudo reportório novo, dentro deste conceito que nós temos falado.


O percurso para o álbum já leva alguns quilómetros extra.  

Nessa – Qualquer rapper tem sempre km’s extra, sempre, é mesmo veia de rapper já. (risos) Acho preferível ser assim do que sair mais cedo e não ter tanta qualidade. Dentro  do tempo certo, sairá. Contudo, também acredito em limites e que as músicas têm de ser lançadas, mesmo achando que são intemporais. Nós somos novos, estamos a trabalhar com músicos e actuamos muito, estamos sempre a evoluir e algo que nós gravámos no ano passado não será igual agora. Daí a necessidade de editar trabalho. O pensamento não é o mesmo, eu com 22 anos, não penso como vou pensar aos 30.
Espanhol – A nível de datas deparamo-nos com uma questão. Não é importante lançar o disco só porque dissemos que íamos lançar, se o disco não corresponde à importância que tem o primeiro álbum de uma banda. Nós, como La Dupla, e voltando novamente a pegar na questão do “público”, sempre quisemos mostrar a nossa evolução ao longo do tempo e o facto de nós estarmos presentes, não significa que temos de lançar um álbum medíocre só porque estipulámos uma data. Tem a ver com a importância que damos ao disco e, se não está como nós pretendemos, peço desculpa a quem espera, mas preferimos que saia quando estiver bem pronto e como o desejamos.
Nessa – No fundo, um primeiro álbum, é aquele que te dá mais tempo de manobra. Num terceiro ou quarto, as pessoas já te conhecem, já tens talvez menos tempo para lançá-los, mas no primeiro, acredito que tens tempo para o realizar e é a tua apresentação a sério, é esse que vai ficar na mente das pessoas e muitas vezes acaba  por ser o melhor pois tem a tua essência.


Em que fase de construção está o álbum?

Espanhol – A nível de ideias e temas, está a 80%. A nível de execução, por volta dos 20%. Mas isto para nós é bom, porque, a partir do momento em que entrarmos em fase final, acontece tudo. Somos pessoas muito decididas e quando é para trabalhar, é a sério. O mais importante já está feito, que foi a concepção do disco, como poderíamos fundir o conceito de Palco Principal, sendo um disco conceptual, com a nova abordagem que temos tido e é isso que vamos apresentar no disco.
Nessa – E o facto de trabalharmos com outros músicos, aumenta-nos mais o tempo. Acaba por ser um trabalho mais orgânico, mais moroso, mais puro em termos de sonoridade.


Não têm suporte de nenhuma editora.

Espanhol – Não, até à data temos sido o nosso próprio trio de ataque. Eu na parte de gestão, a Nessa na parte dos concertos e o X-Acto na parte técnica e de som. Tudo o que temos lançado tem sido independente, sempre a dar passos em frente. Não é algo a que nos queiramos acorrentar, mas a associação a uma editora depende das nossas necessidades e expectativas. Nós não vamos abdicar dos nossos ideais. Não recusamos o convite de uma editora independente ou de uma maior, desde que faça todo o sentido para ambas as partes: para eles financeiramente e reconhecimento e talento para nós. 

E mantendo a vossa liberdade…

Espanhol – Claro, isso é o mais importante. Todos os artistas querem ter mais hipóteses e maior liberdade musical para trabalhar e se o dinheiro, através da associação a uma editora, possibilita isso, melhor. A nós, só nos interessa fazer musica e divertirmo-nos. Se pudermos fazer vida disso, melhor.
Nessa – E caso isso acontecesse, como referido, teria de ser em regime de parceria. Nós temos a sorte ou o azar de percebermos um pouco do meio e de como as coisas são feitas, não somos meramente artistas, não querendo inferiorizar a palavra. Mas o facto de termos feito as coisas por nós, limita-nos um pouco porque é difícil gerir todo esse trabalho e concentrarmo-nos também na arte, na criação. Ter uma editora significaria o acompanhamento que não temos, o que acaba por ser cansativo e desgastante.


Há alguns instrumentistas a actuar regularmente convosco, como é que surgiu esta colaboração?

Espanhol – Até agora, tudo naturalmente e é algo de que me orgulho. Por sorte algumas aconteceram com muita vontade nossa, como o Sam the Kid, que oportunamente nos deu beats para nós trabalharmos. Na primeira maquete tivemos a participação do Fernando Rodrigues dos UHF, que era o nosso técnico de estúdio. Já neste EP “A Caminho do Palco Principal”, trabalhámos com o Nuno Faria dos conhecidos Afonsinhos do Condado, que foi meu professor no curso de Gestão de Música e o Gilsongee da música Africana, que conhecemos num concerto do Bambino.  Com todos foi por partilharmos o mesmo feeling e termos as mesmas ideias.


Dão importância ao feedback e aos conselhos e criticas que esses artistas vos dão?

Nessa – Completamente. Algo que existe entre nós, La Dupla e os restantes artistas com quem trabalhamos, muito respeito. Respeito, no sentido musical, eles conhecem o nosso estilo, nós conhecemos e gostamos do deles e, no fundo, tentamos criar uma ponte entre ambos os estilos para podermos criar a sonoridade de La Dupla. Principalmente, porque são músicos e têm um background mais experiente do que o nosso e isso dá-nos responsabilidade porque, sendo novos, obriga-nos a subir a fasquia e a estar a altura deles. Nós somos ambiciosos e fazemos isto com prazer.
Espanhol – Estes artistas, não são só artistas ou músicos para nós. São pessoas com quem convivemos e temos uma relação de amizade. Um bom amigo escuta e aconselha e um bom profissional, critica e aperfeiçoa-te. É uma sorte ter essas pessoas como músicos e amigos, temos sempre de os ouvir.
Nessa – Nós somos todos muito críticos, o que acaba sempre por enriquecer o nosso trabalho.


O que diz a “voz que vos chama”?

Nessa – “Uma voz que me chama e eu quero saber quem”… basicamente que quer conhecer o mundo,  abrir portas, expandir a mente, ver além do que está a frente dos olhos. Eu também acredito muito que as coisas existem não só fisicamente, mas também mental e espiritualmente. Acredito no poder do sonho, La Dupla é a prova viva disso, é fundamental. Principalmente na música, porque não é física, é sentimental, e a “voz que me chama” porque a voz pode fazer tanta coisa, pode ser ouvida, cantada, pode induzir a tantos sentimentos e  levar-nos longe, fazer sonhar.
Espanhol – Só quero dizer que esse som (Prima Vera – O Início) tem continuação. Normalmente, quando a voz me chama as pessoas pensam que eu sou maluco, porque começo a inventar melodias na rua. (risos) A voz que me chama é quando me vêm sempre ideias. Sou uma pessoa que está sempre a pensar novas coisas, sou bastante extrovertido, mas não gosto de mostrar isso quando não tenho confiança com as pessoas. E é exactamente isso, é tudo o que se passa no meu mundo que as vezes as pessoas não percebem.


Qual o vosso conceito de Palco Principal?

Nessa – Palco Principal pode ser muita coisa, pode ser um espelho, uma casa de banho, um palco da fnac, pode ser um palco no sudoeste, pode ser tudo e pode não ser nada. Tu é que tens de criar esse palco e vai ser sempre principal porque é teu. Não tem a ver com ser grande, mas sim com aquilo que está na nossa mente e em que acreditamos. No fundo, o facto de termos pouco não significa que não possamos dar muito. 


Quais é que são as vossas influências em termos musicais?

Nessa – Eu sempre ouvi muita música. Quando era criança, ouvia música africana, porque a minha família está envolvida profissionalmente. Tenho várias raízes, o meu pai é cabo-verdiano, a minha mãe é moçambicana, o meu avo é timorense, o meu bisavô é chinês, então é uma mescla musical e cultural que se traduz muito nos meus gostos. Tenho um gosto ecléctico, ouço música africana, ouço rap, é um pouco do que eu sou. Também gosto de outros estilos urbanos como, Funk, Soul, ritmos latinos. Não gosto de citar nomes, porque acho um pouco redutor, prefiro citar essências, ritmos, isso é o que me faz gostar de uma música
Espanhol – Eu nasci em Sevilha, mas fui criado em Almada e sempre ouvi muita música alegre. Vindo de Sevilha, ouvia muito as Sevilhanas. Fui perdendo o hábito, mas não perdi o espírito. Sempre gostei muito de músicas melódicas e sempre estive na fase da música urbana, dentro Rap, do R&B. A música diz-me muito mais não enquanto um estilo, mas como uma vivência que foi marcada por tempos e, até à data, por estilos musicais que eu vivi. Mas o Rap e o Hip Hop em si, sempre foram as minhas influências, como o irmão mais velho que eu nunca tive, ouvindo relatos. Sempre foi uma questão de identificação para mim, foi com Sam the Kid, Chullage, MDG, Factos Reais, foi com o Rap tuga que eu cresci, aprendi, vivi.


Duas palavras para caracterizar La Dupla?

Nessa  e Espanhol – Atitude e Feeling.


Qual é a vossa visão do Rap hoje em dia?

Nessa – No geral, eu vejo com um pouco de pessimismo. À medida que fui entrando no meio e na própria cultura em si, fui vendo coisas que não estão à vista e são coisas que tu não queres ver. Para mim, algo base que deve haver para fazer subsistir uma cultura, neste caso uma subcultura, o Rap, é o respeito e daí podem surgir novas coisas, mas tem de haver respeito para haver um crescimento, e neste momento parece que estagnou ou simplesmente deixou de existir. Tanto a nível de mentalidades, de abertura, de atitude, pensamentos, acho que tem de haver menos egocentrismo, deve-se fazer crescer as coisas em volta. Estender a mão ao outro hoje é poder receber a mão do outro amanhã. Apesar do pessimismo, adoro hip hop tuga, temos tanto potencial, só é pena não acreditarmos em nós próprios, mas isso tem a ver com a própria mentalidade portuguesa, que nos faz acreditar que o que é de fora é que é bom. Eu ouço rap estrangeiro mas o nosso tem um sentimento tão forte, tão genuíno. Talvez faça parte da nossa história, tendências do fado talvez, da saudade… Devíamos aproveitar mais isso.
Espanhol – Eu vejo o rap com bons olhos, sempre vi, mas também já me iludi pelas questões de que a Nessa falou. Musicalmente o Rap sempre teve tudo para vingar, mas só agora é que as pessoas se estão a aperceber disso e a tentar abrir novos caminhos dentro do que o Rap é. O Rap não é virgem, vem da fusão de outros estilos. Portanto não há problema em fundi-lo de novo com outros estilos, porque o Rap será sempre Rap. Estão-se a fazer colaborações fora e isso é super bom para a cultura em si. A partir do momento em que as pessoas se esquecem de fazer um Rap 4 por 4, daqui a uns anos vão ter mais vontade de voltar a fazê-lo e vão evoluir em dois caminhos, a nível musical e a nível de Rap. Vejo também que as pessoas se estão a unir, seja por uma questão musical ou de identificação, seja por uma questão de business porque, afinal de contas, o Rap também é entretenimento. Só tenho pena é que tenham de acontecer coisas más para as pessoas se juntarem, como foi o Portugal Hip Hop Stars em 2005 a apoiar o maior incêndio em Portugal. A última vez que vi isso acontecer foi quando houve um incêndio e juntaram-se vários rappers para apoiar a causa. Esse é um exemplo de união, que eu não acho que tenha de existir por obrigação, mas também não acho que tenha de haver acontecimentos negativos para que as pessoas se juntem, uma vez que o movimento é tão pequeno e as pessoas se conhecem todas. Foi com muita tristeza que vi partir o Raptor, que era um amigo meu e o Snake. Vejo que é uma oportunidade para se prezarem os artistas enquanto cá estão, porque somos humanos e, a qualquer momento, podemos morrer. O Rap é importante a nível cultural, daqui a 100 anos é um marco histórico, porque marcou a sociedade portuguesa. Deve-se aproveitar enquanto cá estamos para trabalhar e atingirmos  objectivos. Se temos todos o mesmo objectivo, singrar na música e fazê-la evoluir, porque é que havemos de estar a puxar em direcções diferentes…
Nessa – Eu acredito que se deve subir a fasquia. O Rap no geral tem de chegar ao nível que ele realmente tem, e acredito que tem um nível tão alto e nós apresentamo-nos com tão pouco… Muitas vezes queixamo-nos que não somos apoiados, mas é porque não mostramos o que valemos. Ter um grande álbum em casa não me vale de nada, ser um grande DJ e fazer grandes manobras em casa não me vale de nada se depois não vou dar concertos ou se não há uma competição bem organizada em que possa mostrar o talento por completo. É preciso haver mais orgulho no que se faz.

O que é que 2010 nos vai dar de La Dupla?

Espanhol – A nós, trabalho. Estamos na faculdade e temos projectos paralelos, que não nos permitem pensar a 100% em La Dupla. Enquanto grupo, é a preparação do álbum, sem datas. O Verão vai ser para trabalhar nisso, essencialmente. Mal acabe o Verão, vamos continuar com um novo circuito de concertos, continuar a apresentar o EP, misturando músicas do álbum com esta abordagem musical que La Dupla traz de diferente.
Nessa – Queremos fazer um pouco o processo inverso. Enquanto estamos a gravar as músicas e estamos no processo criativo, queremos testá-las e mostrá-las em palco e, caso se verifique ser necessário, modificar algo para o álbum. No fundo, como nos sentimos tão bem em palco, é importante sabermos o que corre bem ou não. Pessoalmente, eu consigo aperfeiçoar mais a minha estética musical em palco, porque ao testá-la ao vivo consigo levar, mais tarde, para estúdio algo que não tinha. Adianto também que vamos lançar o vídeo clip do tema “Saudade À Nossa!)”, que trará uma perspectiva diferente de La Dupla. O instrumental foi produzido pelo Raptor, que era um dos personagens do clip. Infelizmente ele não pôde finalizar o vídeo, pelo que pedimos ao irmão dele para fazer de Raptor. O clip tem o cheiro da Saudade...


Palavras finais.

Nessa – Atitude em tudo o que se faz, tudo gira a volta disso.
Espanhol – Para mim tem tudo a ver com um bom feeling, boa disposição e eu acredito muito no sorriso. Para todos os que nos apoiam e se interessam por La Dupla pela positiva, eu desenho-lhes um grande sorriso, obrigado por nos acompanharem e força. Obrigado também à Freestyle pela entrevista. É um bocado cliché, “obrigado por…” mas é a verdade, a todos os que realmente acreditam e vêem La Dupla como mais que rappers, mas também como pessoas e o Palco Principal é isso, uma questão de ideais. Apareçam sempre!



Por: Tiago Costa Rebelo
Fotos: Priska Gomez

FREESTYLE/2010

This free website was made using Yola.

No HTML skills required. Build your website in minutes.

Go to www.yola.com and sign up today!

Make a free website with Yola