Franco-atirador



Soam estridentes os alarmes que anunciam a crise dos letristas no rap português. Tiramos o enrolado mapa de Portugal da gaveta, abrimo-lo e procuramos sofregamente pelas zonas férteis em lyricists com arte e engenho suficientes para calar o banzé debitado pelos frenéticos aparelhos preventivos. Vamos ao Google, pesquisamos pelas palavras “excelência” e “génio” para retermos na memória quantas são as entradas que referem o nome dos MC’s que trazem isso na ponta da caneta. Anseia-se pelo glorioso dia em que se dará a ressurreição da importância das letras no rap, depois da batida as ter morto, ou perto disso.

Felizmente há ainda quem mantenha bela a relação do risco de tinta com a folha de papel. Desde nomes da Velha Escola, guardiões da essência, até aos contemporâneos da Nova Escola, saídos há pouco tempo da barriga da mãe, é certo, mas já mais lambões por inovação e originalidade do que ministros da Tecnologia e da Cultura.

Mas eis o desafio, o sonho: colocar o rap na vanguarda lírica da música portuguesa. Para isso, MC’s têm de se munir duma linguagem criativamente rica, esquecerem os lugares comuns e aumentar o cuidado na escrita é vital, em abono da credibilidade. Laivos poéticos são tão necessários como versos pensantes e como rimas ambiciosas.

O desamor entre a língua portuguesa e a música feita no nosso país vem em crescendo e o rap tem potencialidades para contrariar essa sina. Elevar-se o patamar de exigência das letras é decisivo para que elas ganhem dimensão e permitam igualar-se às dos melhores letristas nacionais como Rui Reininho, Adolfo Luxúria Canibal, Ary dos Santos, Sérgio Godinho ou Carlos Tê, por exemplo.

A arte possui uma vertente lúdica mas é igualmente uma forma de conhecimento, poder, transformação, afirmação e cristalização de momentos. Daí que o rap possa continuar a proporcionar o prazer do jogo das palavras, ao mesmo tempo que se encaminhe, de igual forma, para desmontar os artificialismos da vida, devolvendo a verdade às pessoas. António Jacinto, um dos meus poetas angolanos preferidos, exemplificava bem como a escrita podia ter muita força, sendo mostra de denúncia, resistência e esperança. Una-se uma letra forte a um suporte musical equivalente e temos uma arma mais poderosa que uma kalashnikov.

Os artesãos de versos do rap português marcarão a diferença, na música lusa, se reavivarem o amor pela língua, se colocarem nas letras a impressão digital da nação, escolhendo serem vozes activas e críticas, de modo a aproveitarem o relativo desinteresse de outros géneros musicais em pintarem tal quadro.

Sem trabalho e originalidade não há eternidade na arte. Portanto, os melhores e os que estarão, mais tarde, na parede dos prodigiosos, serão aqueles que mais trabalharem, que mais estudarem e que fixarem a ambição e a ousadia de superarem o que está feito. O MC tem de ser o seu primeiro crítico para somente terminar um trabalho quando nele encontrar vestígios de perfeição.

Indague-se na vasta imaginação, encha-se o peito de humanidade, revolva-se o pensamento, grafite-se a poesia nas letras. Porque o rap é muito mais do que um antro de corações cegos que necessitam duma pistola para se orientarem pelos caminhos da palavra.



Por: Druco Blogger HIPHOPulsação

Ilustração: Tiago Costa Rebelo

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