Do Mic aos pratos foi um passo. A curiosidade levou-o a apaixonar-se pela arte do DJíng e mostrou-lhe um novo caminho, o Scratch. Falámos com Núcleo, um DJ cujo nome não pode passar despercebido a ninguém e cujo talento cresce a cada dia de treino


Freestyle – Como foi o teu primeiro contacto com o Hip Hop?


Núcleo – Primeiro contacto com o Hip Hop, já foi há uns bons anos. Nem eu sabia ou fazia ideia do que era Hip Hop. Os meus irmãos começaram a dançar Breakdance, quando o break veio para Portugal, com o Beatstreet e os vídeos. Eu não percebia o que era aquilo, foi um contacto inconsciente. Para mim era uma música mexida e eles dançavam ao ritmo dela, não fazia ideia se era Rap ou não, devia ter uns 6 ou 7 anos. Os meus irmãos ouviam Rap e, mais tarde, começaram a surgir outros álbuns, Rakim, Public Enemy, Eric B, e por aí fora. Depois houve aquele furor do Vanilla Ice e Kriss Kross e eu já curtia ouvir, mas não tinha uma definição nem da música nem da cultura. Comecei a ganhar o gosto e por uma questão de curiosidade, comecei a escrever umas rimas, uma coisa muito bairrista, muito inconsciente, pela diversão, sem objectivos. Ainda tentei puxar alguns amigos, mas não fui bem sucedido, até porque morava na altura num bairro muito isolado e todos queriam ouvir Kizomba e música africana. 



Foste ganhando o interesse pela música…


Sim, e desde aí fui participando em festas do bairro e em iniciativas para jovens através da Associação que havia no Zambujal. Ia cantando algumas coisas, fazia uns playbacks de um rapper Cabo Verdiano, que era o Jayjay (risos). Depois consegui puxar o meu irmão Tó, começámos a fazer um grupo e foi saltar de grupo em grupo, com pessoal da Damaia, pessoal da Arrentela, etc. Fui tendo mais interesse e experiência, ganhei um fio condutor e consegui definir aquilo que queria fazer. Comecei a perceber que ia além de Rap e música. O Hip Hop passou a ser o meu dia-a-dia. Hoje já não tanto, porque cresces, tens outras responsabilidades e, apesar de gostares e amares, tens de dar prioridade a outras coisas porque não consegues viver do Rap. Vivendo do Rap e podendo dar todo o gás é uma coisa, mas não vivendo do Rap não dá, porque tens renda de casa para pagar e outras responsabilidades. Vou conciliando, tento preparar outros projectos, apesar de já não dedicar tanto tempo para esses projectos, porque o desgaste é muito e, apesar de haver aquela auto concretização que tu sentes quando fazes um beat ou uma letra, já tens de dividir o tempo pela família, trabalho, etc. 



Começaste como MC, o que te levou a ser DJ?


É engraçado, porque eu nem sequer tencionava ser DJ. Apareceu uma oportunidade de comprar uns pratos e uma mesa baratos, que aproveitei para, quando Factos Reais tivesse um DJ, ele não precisasse de carregar o material sempre que houvesse um ensaio. Depois foi a curiosidade, tinha o material em casa, experimentei e comecei a ganhar-lhe o gosto. Comecei a ver outros DJ’s e pensei: se ele faz eu também consigo fazer. Ia tentando. Fui percebendo a filosofia do DJ’ing e do Scratch, que o que me fascina mesmo é o Scratch, sou capaz de me sentar e estar seis horas a fazer scratch. Fui brincando, vi vídeos de DJs e fiquei de boca aberta, como eles faziam certas cenas. O Scratch foi-me puxando, para mim é como se fosse uma linguagem, um vocabulário, um instrumento porque completas o beat e musicalidade também porque é como se fizesses várias notas.



Acabaste por ficar tu como DJ dos Factos Reais?


Não, ainda tivemos alguns DJ’s, experiências boas e outras más, mas ainda tivemos alguns. Tivemos boas experiências com o Pass e com os Quebra-Discos.



Há algum DJ que tenha sido ou seja ainda a tua fonte de inspiração?


Q-Bert e D Styles. Eu vejo os outros mas estes dois são mesmo “a minha cena”. Rafik, Uncut, 8Track, do Clever, há uns quantos que eu gosto imenso, mas aqueles dois, são de quem saco vídeos e fico horas a ver e tento entrar naquele mundo deles. Scratch é o que eu quero fazer até as minhas articulações não puderem mais.  Não tenho limites e, para mim, o scratch não tem limites. É ligar os pratos, meter o beat e siga. Não tenho intenções de parar, é o meu instrumento musical e é o onde esqueço tudo. 



Aprendeste de alguma forma ou foi mais autodidacta?


Aprender foi nas jams, com o Pass e o DJ Confuse. Havia uma técnica ou outra que andava a tentar há imenso tempo e não conseguia, e o Pass explicava-me. Acabava por ver que era simples. Scratch depende de técnicas e tu vais apanhando os toques, os movimentos e os teus músculos acabam por se ir habituando, como se tivessem memória. É uma questão de praticar, repetir até que habitues e de tal forma que acabas por criar o teu próprio toque, como se fosse o teu flow. Até podes estar a fazer uma técnica que o outro DJ também está a fazer, mas acabas por ganhar um toque próprio. Aprendi muito com as jams, sem dúvida, muito com os vídeos também. Procurava imensos vídeos, comprava, via-os vezes sem conta, em slow motion para ver bem os movimentos. Estava completamente fora do mundo DMC, até que comecei a perceber o que era, fui pesquisar o historial todo do DMC e percebi que é um mundo onde todos se juntam, desde os melhores até ao pessoal que não pratica mas que adora ver. Passei a levar tudo mais a sério, mas sempre à base do Scratch. Depois começou a haver open jams no Kompasso e eu como sou muito “picado”, ia vendo outros DJ’s a fazer certas técnicas e ficava a pensar que tinha de conseguir fazer também para na próxima jam mostrar ou aperfeiçoar uma técnica para mostrar. E era assim, ia evoluindo. Deixei de produzir tanto como produzia, já não passo o mesmo tempo à procura dum sample, porque a minha paixão é realmente fazer Scratch. Estar aqui em casa, com a minha luzinha ambiente e a treinar. 



Essa pesquisa que fazias para os samples, fazes também para o DJ’ing? É assim tão necessária a pesquisa como DJ e para o Scratch?


Existem discos próprios para Scratch, mas depois há uma coisa que é a criatividade. Se quiseres criar um set, tens vários discos e vais ter de pesquisar, ouvir e conjugar os discos de forma completamente diferente, para surpreenderes as pessoas. Se começas a ver muitos vídeos e jams, vais ver que tens discos que muitos já usaram e não queres usar de novo, nem fazer o mesmo que eles fizeram. Então tens de pesquisar para criares cenas novas, diferentes, abrir horizontes. Eu tento sempre procurar cenas diferentes ou usar o que já foi usado, mas de forma diferente. Também é algo que, para quem gosta de competir, tem de estar atento, porque quem percebe de turntablism vê logo se foi copiado ou não. Até em termos de técnicas é preciso pesquisar, para tentares estar sempre à frente. Para quem não percebe de scratch, parece tudo igual, mas quem percebe sabe distinguir as cenas e avaliar isso. 



Treinas bastante?


Sim, o Scratch requer muita prática, treino. Não há tempo para treinar, também é um bocado de ter dom ou não. É como em tudo, há quem tenha um dom e não precisa de praticar muito, e há quem pratique muito e seja bom naquilo que faz. É preciso também uma predisposição tanto física como mental para treinares, seja quanto tempo for e passares X horas a fazer aquela técnica ou a pesquisar.



Tens algum material específico?


Não, é os pratos e a mesa. Agora entrámos no mundo do Serato, que facilita muito, mas não mata o vinil. Mas aí vamos à conversa dos conservadores e dos não conservadores. Tens um vinil, que é o do Serato. É aquela história de que para os campeonatos, usar Serato, alguns defendem “ah! já têm os vinis todos feitos e já não há aquela coisa de troca de vinil, porque mandas prensar o vinil com o teu set e só usas dois, isso já não é real”. Eu acho que não, as coisas que evoluem. Até os beats que fazemos agora… há uns anos atrás não era nada disto. É o processo normal das coisas, a evolução e nós ou nos adaptamos ou nos mantemos agarrados às raízes. Há que haver um ponto de equilíbrio e respeito por ambos.

Achas então que não tira a essência do DJ’ing?


Não digo que não tire, porque se olharmos para o início, é claro que tiro. Se eles olhassem para o futuro, diriam que lhes estragamos tudo. Do Rap a mesma coisa, se os antigos olhassem para o que se faz hoje ou o caso do Krunk, por exemplo. E o DJ’ing, no caso do Scratch, teve de evoluir, hoje em dia há técnicas muito malucas. Se olharmos para trás tiro, é história que ficou. Mas daqui a uns anos, vamos olhar para trás e pensar «olha, aquela era a altura do Serato e no futuro se calhar já nem discos temos». É tudo virtual ou sei lá. Eu vejo os dois lados, a mim fascina-me ires buscar um disco de Ray Charles ou de Metallica ou de música clássica e misturas aquilo tudo e sentes o pessoal a vibrar e só vê é discos a saltar. Gosto de Serato, também é preciso ser criativo para se fazer um set bom, uma rotina, mas tens tudo programado. Eu entendo os dois lados da balança, até porque tenho intenção de, no futuro, fazer o meu disco e programá-lo, mas não deixo de ter a minha colecção de discos e usá-los.



E continuas a comprar discos?


Sim, sem dúvida. É uma das coisas que é um vício, e sempre que posso vou à procura de discos que ainda não tenho.



E misturas de tudo?


É assim: eu, se me deixarem à vontade, prefiro Funk e Soul. Podia passar uma coisa ou outra de Rap, mas o que me cativa mais é Funk e Soul.


Gostando tu mais de Scratch, como é que vês a parte de DJ para passar som em clubs?


Lá está, nunca foi algo que me fascinasse. DJ de club então não é nada que me puxe. Eu gosto de ir a uma discoteca e levar com sons Talib Kwelli, Gangstarr, Hi-Tek, etc. Hoje em dia levam com AKon, Madonna, não faz a minha cena, não me fascina. Surpreende-me mais quando um DJ está numa festa e passa sons que ninguém passou. Não vejo muita ousadia por parte dos DJ’s, limitam-se a passar aqueles sons chapa, porque sabem que é aquilo que enche a pista, mas há muita gente que está lá, que está à espera de uma surpresa. Há muita música boa para passar. Eu, por um lado, entendo que é um risco e nem sempre eles têm essa liberdade, mas quando têm, deviam arriscar mais. Pessoalmente, não me puxa muito passar som como DJ, prefiro Scratch. Não é que não o faça, mas não me cativa.



DMC, participaste em 2008 e 2009 em singular e em team, com vitórias nos dois anos em team. Como tem sido essa experiência?


Não tem sido muito feliz. Em casa treino coisas que depois chego lá e, não sei se é do nervosismo, salta-me tudo por todo o lado. Nem em team a experiência foi boa, porque não fiz aquilo que eu queria. Por isso é que eu digo que vou fazer o DMC nem que seja 50 vezes, até fazer aquilo que eu quero. Não sei se é o à-vontade ou não. Como MC, se me disserem para ir cantar aqui ou ali ou ir falar ao público, vou sem problema e faço; mas como DJ, quando dizem o meu nome, fico nervoso. Eu estou em casa a treinar e, não é ser arrogante nem nada, mas às vezes digo para mim “isto está no papo”. Depois, quando chego ao palco, treme tudo. Foi como neste último DMC, em que me correu mal. Na última ronda eu disse para mim mesmo, não interessa, vou fazer só scratch, já que tem corrido mal. E, no final, um dos júris veio dizer-me, que a nível técnico era o melhor.



Tu tiveste um problema neste DMC não foi?


Sim, o primeiro problema foi a agulha e depois tive o problema de, sempre que tocava nos discos, eles saltavam. Mas isso é um problema meu, que eu tenho de simplificar as coisas e acalmar-me. É o que o X-Acto e a minha namorada dizem: para fazer as coisas mais simples. E no futuro, vou mais numa de curtir, não com aquele espírito de ganhar, com aquela ganância de competição. Vou para competir mas, acima de tudo, para me divertir.



Sentes que tens evoluído de ano para ano?


Sim, sem dúvida. Até pela experiência e no próximo ano já vou mais para curtir, como estava a dizer. Inspirar o pessoal, inspirar-me com o pessoal e mostrar skills. Se ganhar ou não, não importa, porque também é cool e sentes-te bem quando te dão feedbacks como o do ano passado que, em termos técnicos, eu era o melhor ou como em 2008 quando o Uncut me disse que eu ia dar cartas no futuro e apesar de os discos terem saltado na actuação, isso acontecia. Isso é bom, sentes-te bem e ficas com vontade de fazer melhor. Quando treino, tento chegar ao nível dos que são campeões, aproximar-me do skill deles.



Como vês a quantidade de DJ’s que há em Portugal e o facto de terem participado apenas quatro neste DMC?


Acho que ainda não se criou o culto da competição em Portugal, como há lá fora, que já tem 10 ou 15 anos. E além do DMC, lá fora tens o ITF que agora é o IDA e tens competições internas, já há um culto e os dj’s estão sempre a preparar-se e a treinar. Nós não temos isso e perdemos sete ou oito meses para uma competição anual, e é quando há. As jams que temos são poucas e pontuais. O pessoal vai lá, junta-se, mostra o que faz, partilha umas ideias ou quase nem partilha, não se comenta como se faz, é só mostrar scratch e pronto. 



Há partilha mesmo entre DJ’s? Aquela entreajuda para evoluírem?


Dessa forma, não, mas também porque muitas vezes não há disposição para tal. O pessoal quer ir às jams para fazer scratch e nem se preocupa com isso. Ultimamente tenho estado todos os fins-de-semana a treinar com o Kaliops, então treinamos durante a semana para no fim-de-semana trocarmos ideias e temos evoluído imenso juntos graças a isso. Puxa-me e puxa-o também, porque queremos sempre melhorar e ao partilharmos ideias e movimentos, isso ajuda-nos. Eu não vejo as coisas de forma a esconder técnicas. Até penso em, daqui a uns tempos, fazer uns vídeos e pôr no meu myspace, para que possam ver e quem quiser aprender, melhor. Porque o DJ é isso, este pega nesta técnica e melhora, o outro pega outra vez e melhora, sempre a elevar de patamar. Eu não vejo as coisas de esconder ou não ajudar.



Mas vês isso cá?


Eh! Pá!, é agressivo dizer isto, mas sim, vejo. Pessoalmente, até acho que há DJ’s que não vão às jams e a competições, para não perderem o estatuto que já ganharam com o que fizeram. Respeito o que eles fizeram, sem dúvida, mas tenho a certeza de que há muitos putos novos que se entrassem em battles com esses dj’s, não lhes davam qualquer hipótese. E são putos! E não é a desculpa de não terem tempo disponível, é mesmo não quererem perder o estatuto que já têm, porque sabem que, se forem, não é o nome que lhes garante nada. 



E porque é que não vemos esses putos novos num DMC?


Porque este DMC foi muito em cima da hora. Ninguém estava à espera que houvesse DMC e quando nos avisaram, deram-nos um mês para praticar e entregar a rotina. Um mês? É uma coisa que se for preciso, estás um ano a preparar a competição. Há pessoal que pensou, se for só para fazer figura, para dizer «fui ao DMC? não» e esses eu respeito. Eu fui porque já tinha coisas que vou preparando durante o ano e levei, mas não tinha set de três minutos por exemplo. Pensei que, como era pouca gente, nem ia ser necessário, então levei tudo pronto para as battles. Quando me disseram que era preciso esse set, tive de improvisar. Houve um bocado falha da organização, mas eu entendo, porque sei como são as burocracias da Câmara e a dificuldade que é arranjar patrocínios e, por isso, foi em cima da hora. Gostei imenso da experiência, ter a oportunidade de estar com o Rafik, com o Fly e o Irie.



Faz falta haver mais eventos de DJ’ing?


Faz, nem que seja só para mostrar skills. Eventos, competições, festas onde vários dj’s possam ir, sei lá. Pode-se fazer imensa coisa. Até podíamos criar a nossa própria competição, com as nossas regras. Isso existe imenso lá fora e faria com que nós tivéssemos mais actividade, era necessário mais treino, mais prática. Por agora, ficamos todos à espera do DMC e sem saber se há ou não há. Depois, se não há, pensas, «estive a perder tempo e não há competição». Claro que nunca é tempo perdido, treinaste, praticaste, evoluíste, mas não vais poder mostrar isso. É complicado.



Lançaste o Arrastão Verbal, que teve um bom feedback. Tens algum outro projecto para breve?


O Arrastão Verbal deixou-me muito satisfeito. Correu bem, teve um bom feedback, as participações foram boas. Quanto a novos projectos, tenho alguns em mente. Tenho tudo separado ali, tudo arrumadinho. Tenciono lançar uma cena instrumental, quero fazer mais uma compilação, tenho o projecto dos SUPA, com o Johny (GEB), que não tem data prevista, porque é a tal coisa, o trabalho e outras responsabilidades tiram-nos algum tempo para isso, mas não temos pressas também, vamos trabalhando. Já sabemos o que queremos, agora é levar com calma. Vou escrevendo, vou produzindo, vou treinando, pesquisando, fazendo as cenas tranquilamente.



Mensagem para os DJ’s e leitores?


Não me vou dirigir muito ao Hip Hop porque não estou muito dentro do que se está a passar. Fiz questão de me abstrair um bocado de tudo, porque preciso mesmo, para me poder concentrar no que estou a fazer. Para os DJ’s, treinem, vamos evoluir mais porque temos capacidades para atingir outros níveis e patamares e partilhem, juntem-se em jams, troquem ideias, convivam.



Por: Tiago Costa Rebelo
Fotos: Martim Borges

FREESTYLE/2010  

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