Os seus primeiros passos foram em 95, mas só por volta de 97 começou a levar o graffiti a sério. Fez vários interrails e os seus cães são uma marca registada, reconhecida instantaneamente. Chegou a vender CD´s, para matar o vício. Membro dos GVS, Creyz, diz que não pertence ao Hip Hop


Freestyle: Quando e como foi o teu primeiro contacto com Graffiti?


Creyz: Comecei a pintar e desenhar desde pequeno, desde que me lembro que tenho essa veia artística, sempre gostei de banda desenhada e desenhos animados.

A crescer em Lisboa lembro-me de ver sempre coisas escritas nas paredes, fossem partidos políticos, palavrões ou frases anónimas. Lembro-me perfeitamente de uma vez, por volta de 92/3 estar nos Restauradores com a minha mãe e ao passar na passagem subterrânea ver um desenho na parede, era um boneco, feito a lata, a vermelho, tinha uma assinatura e a frase “Menace II Society”. Naquele momento lembro-me de ficar consciente de que alguém teria feito aquilo clandestinamente com uma identidade secreta mas nunca me passou pela cabeça que passados alguns anos, eu iria estar a fazer o mesmo.  

Foi por volta de 95 que tive contacto com o Graffiti através do OPEO, que era um amigo da escola. Nessa altura houve um boom em Lisboa e toda a gente tinha um tag. O OPEO já nessa altura sacava grandes styles no papel. Em 96 foi quando pintei o meu primeiro graff, antes disso dei uns tags e throw ups só para experimentar. Havia graffs em Campolide dos PRM, FDP, THC, NCW, PBC, e em Sete Rios no canil já havia dos GVS, PBC, FDP e PRM. Só mais tarde é que soube dos hall of fames em Belém e Carcavelos.



Como escolheste o teu Tag?


O meu primeiro tag foi Krey-Z, para se ler tipo Jay-Z, mas o pessoal começou a chamar-me KREYZ. Acabei por juntar tudo como uma só palavra. No princípio, alternava entre o K e o C, com o tempo larguei o K e passei a fazer com C. Tive outros nomes pelo meio, mas acabava sempre por voltar às origens.



Como foram os teus primeiros passos?


Foram a fazer uns tags com marcador e graxa no caminho para a escola e em Torres (yo MOSH P.A.C.), andava com spray quando ia sair à noite em Lisboa, mas não tinha a maluquice do tag como há hoje em dia. Na altura íamos ao Aki buscar latas da Bricobi, eram caras, mesmo que roubássemos uma ou outra, para pintar era preciso gastar dinheiro. Com cerca de 15 anos não tínhamos maneira de sustentar essa actividade. Mais tarde quando comecei a sério, cheguei a ir à Carbono vender CDs de música ao desbarato para poder comprar latas, como se fosse uma droga. Uma vez com pessoal da minha 1ª crew, ABC, que eram o OPEO, o SNARE e o BOZE comprámos várias cores e fomos pintar na linha, esse foi o meu primeiro graff. Pouco tempo depois, através de um amigo em comum (MISTA), conheci o DOSE no Bairro Alto. Ele era o S.O.S., eu via esses tags na zona de Benfica muito antes de começar a pintar, e lembro-me que aquilo não me dizia nada, era só pessoal a assinar, eu já me interessava por artes e aquilo não me suscitava nada, só quando comecei a ver peças é que achei que seria interessante fazer.

Como o DOSE morava perto de mim, começámos a ir pintar juntos para a linha e tornamo-nos parceiros de bombing. De Sete Rios/Campolide até Damaia/Amadora percorríamos a linha a mandar silvers e peças. O SKEN e o EITH também pintavam nessa zona, eram da SAS crew, nós víamos os graffs deles e ficávamos a pensar: “mas quem são estes gajos?” .Uma noite vimos de longe dois tipos com mochilas a olhar para uns graffs que tínhamos acabado de fazer, e pensámos logo: “São eles!” Quando fomos ter com eles, acho que também perceberam logo quem nós éramos. Cumprimentamo-nos, foi engraçado. Na altura essa linha estava praticamente virgem, as paredes eram um livro em branco com páginas e páginas por preencher…



Em que ano é que começaste a levar o Graff a sério e que período foi o mais activo?


Comecei a dedicar-me a sério a partir de 97, precisamente depois de conhecer o DOSE. Antes disso pintava como muita gente, um bocado mais por moda. Ele tinha a doença do bombing, como eu nunca vi. E foi através dele que conheci o SEUX, o ROTE e o ARTE. 

Posso afirmar que muito provavelmente, se eu nunca o tivesse conhecido, já tinha parado de pintar há muitos anos e não era quem sou hoje. Acho que entre 1997 e 2002 foi a altura que estive mais activo. Depois continuei a pintar, mas pelo meio houve fases, pausas e acho que isso é importante, quer eu esteja mais parado ou mais activo, estou sempre a desenhar, posso estar mais isolado do movimento, ou da Crew mas faço as minhas cenas, desenhar lettrings e estilos faz parte de mim, essas pausas também são boas para reflectir e para evoluir, dar o próximo passo no estilo. Para mim, o estilo é como a vida, é uma estrada que se vai percorrendo com encruzilhadas em que tomamos um caminho que vai ditar o futuro. Eu já tive vários estilos que se foram transformando, cheguei até a regressar na estrada para um estilo mais antigo e depois partir numa direcção diferente.



Como nasceu o cão?


Nasceu um bocado da influência do que fazia o LA MANO de Barcelona. A primeira vez que fiz o cão foi quando esteve cá o meu amigo, BOL23 de Roma em 1999, ele só fazia praticamente bonecos. Um dia a desenhar um CREYZ, fiz um /C/ com uns olhos e um nariz mas não cheguei a dar esse graff. Um tempo depois já tinha desenhado algumas vezes em papel só o boneco, fiz o primeiro num comboio da linha da Azambuja e a partir daí comecei a fazer só no gozo. Muitas pessoas, mesmo fora do graff, curtiam o cão, identificavam logo e eu percebendo que aquilo pegava fui fazendo, era uma nova identidade para além das letras que continuava a fazer. Mas passados uns anos já estava farto de repetir a mesma imagem, foi por isso que comecei a variar e a fazer com três olhos e em nave espacial, avião e versão Homer.



Tu fizeste alguns interrails, em que aspecto achas que isso te ajudou ou influenciou?


A minha primeira graffiti-trip para fora de Portugal foi a Madrid com CLAS em 99, fomos pintar com o BUNI e a crew dele. Quando voltámos trouxemos a Xplicit Grafx e uma outra revista espanhola. Nessas revistas já se falava muito de um euro-movimento e do conceito de interrailer – writer que viaja pela Europa a espalhar o nome noutros países. Foi isso que me motivou a fazer um interrail, já tinha muitos contactos lá fora de pessoal que ia passando por cá e foi só fazer-me à estrada e pintar. Fiz dois, em 2000 e em 2001. Para mim foi uma altura muito marcante, estar quase todos os dias em cidades diferentes, ver tags diferentes, estilos diferentes, porque nessa altura os estilos não estavam tão globalizados como hoje. Até ao final dos anos 90 a cena de graff era mais fechada, os estilos eram mais característicos, mas no virar do milénio, com a internet e revistas em massa, a cena mudou.  



Já pintas há muito tempo como vês o movimento ao longo desse tempo?


Vejo por vagas, há booms e depois há uns que se destacam, uns que ficam e outros que desaparecem. Já vi isto acontecer n vezes. A cena cá continua na mesma, a diferença é que cada vez mais há referências, crews que se vão tornando antigas. É um processo natural, as gerações que vão aparecendo vão fazendo a sua afirmação, de uma maneira mais persistente. A qualidade do graffiti português em geral ainda deixa muito a desejar.



GVS é uma excepção, tem mantido o nome e a sua actividade…


Sim e não, porque algumas pessoas da crew já deixaram de pintar. Por outro lado também há pessoas de gerações que vieram a seguir que entraram para a crew. Trazendo sempre algo de diferente. Eu próprio fui da 2ª geração de writers, a entrar para a GVS. Quando isto aconteceu o ROTE e o ARTE já não pintavam, mas logo a seguir voltaram a pintar. Isso prova que a adição de novos membros puxa pelos mais antigos, até certo ponto…!  

Eu orgulho-me muito dos anos em que eu, o BYZAR, o OURO, o ART e depois também o KLAS, KOMER, SKEN e ROT construímos a reputação da crew, especialmente na linha de Sintra e na cena dos comboios que estava em fase embrionária e à qual nós demos um empurrão massivo, ao lado dos nossos “rivais” SK e TR. Mas em relação à actividade, as coisas mudaram muito, apesar de se continuar a pintar, é como uma banda de rock antiga que continua a tocar mas com membros novos, músicas novas, e depois o pessoal diz, “ah e tal… já não é a mesma coisa”. E têm razão. Não é a mesma coisa. Neste momento os objectivos da maior parte dos membros está bem longe de trains e bombing. Mas aquilo que fizemos nos “anos dourados” e que ficou para a história do graff de Lisboa (e não só), ninguém nos pode tirar. Como escreveu uma vez o SLAP: “Been there, done that… Never forget!” (yo: FYA, DSA, CIA, DIF, OXI, HIUM)



Quais são os teus objectivos?


Os objectivos vão mudando ao longo dos anos, há uns anos atrás o meu objectivo era evoluir o meu estilo… não sei, é difícil explicar. Neste momento é fazer uma peça de que me orgulhe, uma peça que se por alguma razão fosse a última, fosse uma marca que ficasse. Nem sempre foi esse o meu objectivo, já foi fazer mais, melhor, mas neste momento a nível de graff é fazer cenas que sinta que o meu estilo e personalidade estejam bem representados. Se me perguntares objectivos a nível profissional e até onde levar o graff, eu digo-te que até aqui sempre me esforcei por manter o graff como uma coisa separada da minha vida profissional. Mesmo quando fiz trabalhos de pintura com spray ,que ultimamente tenho feito bastantes, raramente assinei CREYZ, normalmente assino outro nome para haver uma distinção. Porque durante muito tempo não quis associar o meu nome a “sellout”. Embora isso seja um preconceito da velha escola. Hoje em dia quase toda a gente é sellout, muitos vendem o nome como se fosse um produto e até são respeitados por isso! Acho que há muita gente que confunde as duas coisas. Mas eu não, eu não respeito, especialmente se forem writers que não provaram o que tinham a provar. Devem-se separar as duas coisas, querem ser writers sejam writers, querem ser artistas ou designers, que sejam. Não tentem ser uma coisa que não são.


 



Achas que deveria haver uma separação mais clara? E como vês a Street Art?


Sim. Mas não me interpretem mal, eu tenho todo o respeito por writers como o NOMEN e o ODEITH, por exemplo, que já passaram por muito, ganharam um certo estatuto e agora fazem do graff profissão. Assim como o RAM que desde cedo assumiu a vertente legal e até comercial, mas ao menos não esta aqui para enganar ninguém. Não respeito aqueles que ainda borram na cueca, mas que se armam em estrelas porque usam fraldas e pensam que ninguém nota.

O facto de o graff estar na “moda” e ser uma “subcultura” de transgressão, faz com que as empresas utilizem o graff para cativar o publico mais jovem. Mas dentro do graff há várias vertentes distintas e nem todas são de transgressão. O graffiti não tem que ser 100% ilegal, mas é aí que reside a sua essência e energia. Bombing, trains, legal, comercial, whatever… mas cada macaco no seu galho!   

Em relação a street art, é um óptimo assunto para discutir as fronteiras do graffiti. Onde acaba o graff e começa a street art? Eu não sei. É um bocado como o cão, não são letras, é um símbolo, mas não deixa de ser graff. Agora a posters, stickers e stencil, é um bocado difícil chamar graff. É demasiado fácil, não requer o mesmo skill e dedicação que graffiti. Isso para mim é pós-graffiti no máximo. São novas tendências.

Passa-se o mesmo com os designers gráficos, Web, ilustradores, etc., desde que surgiu em força a cena da street art que muitos se apropriam dessas referências estéticas para dar um look mais “street” aos seus trabalhos. Dificilmente lhes chamo de street artists. A separação, eu, penso que é bastante clara, são coisas que habitam no mesmo meio mas são distintas. É normal o graff espalhar-se para outras tendências e perder a sua essência.



Tu como uma pessoa que tem ligação às artes, vês o graff como arte?


Claro, até tags e throw-ups, mesmo que às vezes seja difícil chamar arte.

Caligrafia é arte. Para mim, se tem estilo é arte, não interessa se é legal ou ilegal.



E a situação do Bairro Alto?


A situação no Bairro Alto neste momento, é a censura da expressão popular.

O Bairro Alto era uma galeria de arte ao ar livre, cujas paredes tornavam aquele sítio característico e criavam um ambiente único, mas a CML resolveu distribuir kits de limpeza em ruas modelo e foram realizadas outras experiências sociais, como o agravamento da pena para graffiti feito em zonas históricas e a aplicação de uma espécie de “recolher obrigatório”, mas os Graffitis já faziam parte da história do BA. 

Se estas experiências tiverem resultados “positivos” pode ser que as usem como exemplo para expandir para outras zonas da cidade…

É o que se chama, varrer a poeira para baixo do tapete, para dar a ilusão de limpeza.   



De que forma é que a música te influencia no graffiti?


De várias formas, a música e o graffiti são duas formas de arte, com muitas coisas em comum, basicamente não há limites. Tal como na música há o hardcore, o underground, o metal, o pop, o mainstream, o pimba, há isso tudo no graffiti também. Tal como na música há sete notas no graff há sete cores (o espectro solar tem sete cores). Se formos a pensar assim, uma masterpiece é como uma sinfonia visual. Graffiti é como se fosse música para os olhos. Mas não acho que o graff tenha influência específica de algum tipo de música. Por exemplo, a ideia que está estabelecida de que o graffiti é uma vertente do Hip Hop, para mim é descabida. É um bocado como a religião, uns acreditam outros não. Eu gosto de Rap, assim como de muitos outros géneros, mas não sou Hip Hopper. O Hip Hop para mim foi mais uma indústria que se apropriou da imagem do Graffiti. Para mim o Graffiti sempre foi um movimento à parte. Aliás, hoje em dia até o Rap, o Break e o Turntablism surgem em campos que saem do espectro do Hip Hop. E até há uma cena chamada “dança hip-hop” que não tem nada a ver com nada. Mas pronto, não censuro quem viva o graff através do hip hop, ou vice-versa. Cada um sabe de si. Se forem verdadeiros naquilo que fazem, eu respeito. Assim como a FREESTYLE, que mostra graffiti inserido no meio das vertentes de Hip Hop. Essa é a vossa visão e eu respeito. Já agora, obrigado por me deixarem partilhar a minha. 



De que forma o Graffiti influencia a tua vida? E como vês essa relação no futuro?


Quem eu sou hoje, para o bem ou para o mal, devo-o ao graff. Não me vejo a parar de pintar até ao fim dos meus dias, seja de que forma for, mesmo que seja só em paredes legais. É uma coisa que mudou muito a minha vida em vários aspectos e agora faz parte de mim. A nível de estudos e vocação sempre tive ligação às artes, antes de fazer graffiti e durante o tempo em que fiz graffiti continuei ligado, estudei design gráfico e multimédia. O trabalho que faço a nível de imagem, vídeo, animação, música, só mesmo no design gráfico/ilustração é que posso dizer que o graffiti tem uma influência mais directa, de resto, a maneira como me tenho sustentado é sobretudo a fazer pintura decorativa. É óbvio que se não fizesse Graffiti, dificilmente faria trabalhos desses. 

No futuro, vejo-me mais aberto a levar o meu nome para outros campos e em relação a fazer “sellout”, um gajo tem que comer e pagar as contas. Como já passei muitos anos a pagar as “contas” do Graffiti, que não são nada baratas, acho que está na altura de assumir a minha arte com uma atitude mais madura e profissional e gradualmente deixar o writing a sério para os próximos. 



Queres deixar alguma mensagem?


PAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!! 

GVS, KIF11, QSF-LV…QUE?, EKO, ANEPHS (Keepin it real), OLES, FYRE, PHORE, CHON, HELLGARVERS, RUM, NINJAS, SSDDD…

Velha Guarda/Nova Escola: Big up para os Verdadeiros. Para os outros: Não se iludam!

Real knows Real, Real knows Fake, Fake knows nothing!

\\\Original Graffiti Vandals Line – Do not cross\\\




Por: Martim Borges & Smiek

Fotos: Gentilmente cedidas pelo artista


FREESTYLE/2010



This free website was made using Yola.

No HTML skills required. Build your website in minutes.

Go to www.yola.com and sign up today!

Make a free website with Yola