Odiado por uns, amado por outros o que é certo e que Celso faz o que lhe faz sentir bem. Considera-se antes de tudo um músico, pela sua versatilidade artística. É Mc e produtor mas a sua veia artística não fica por aqui. Estando no movimento há 14 anos, tem muito a dizer sobre o que está mal, o que poderia melhorar e o que não faz falta. Dá-nos a conhecer os ingredientes essenciais para um buffet de Rap e ainda fala-nos um pouco do seu street álbum “Faixas Perdidas”


FREESTYLE: SS, SAMP e agora Celso OPP. Queres explicar estas três fases da tua trajectória no Hip Hop?


Celso: OPP foi a sigla que escolhi referente ao nome das zonas Outurela e Portela. Eu sou da portela, mas para ser mais abrangente optei por Outurela Portela Projects. SS tem a ver com o facto de eu e o Ivo sermos os dois sampadjudos, mas depois de assinarmos com a Very Deep, houve a necessidade de alterar para SAMP, porque como devem saber “SS” também foram siglas que estiveram associadas ao Nazismo. Em certos países como a Franca, onde temos algum público, poderíamos ser mal interpretados. Basicamente alteramos por uma questão de longevidade e espero nao alterar mais (risos).



Falando agora no teu recente street álbum “ Faixas Perdidas”, na faixa “Middle Finger Up” há uma citação insinuante: “Nha Gatilho Sta Preparadu Pa Rabenta Cu Nhos Dja” (O meu gatilho está preparado para rebentar com vocês). Podes explicar quem são estes” Nhos” (Vocês)?


Ainda bem que fazes esta pergunta. “Na faixa Middle Finger Up”, eu estou a dar um incentivo aos que fazem música e são descriminados pela letra, pela linguagem ou pelo beat e que de certa forma não se encaixam naquilo que dizem ser os requisitos para entrar no mainstream do Hip Hop Português. “Nha Gatilho Sta Preparadu Pa Rabenta Cu Nhos Dja”, é uma metáfora onde o gatilho são os meus álbuns, a bala é a minha boca e a língua é uma arma ,e é com rimas que incentivo o pessoal a disparar.



Tupac Shakur uma vez disse: “ Eu não fomento a violência eu só diagnostico o que já existe”. Achas que ainda existe o estigma que o rap encoraja a violência?


Muitos ainda associam esta cultura a termos como criminalidade, marginalidade etc., porque muitas vezes a origem desse estigma deve-se ao facto de muitos Mc’s se expressarem de forma explicita e retratarem uma realidade que muitos não querem escutar. Eu vivo num bairro e não me posso esquecer que existe violência e retrato estes temas nos meus sons. O que muitas vezes acontece é que certos rappers não explicam bem as coisas. 

O rap não descreve só coisas mas. Eu refiro muito o tema violência, porque talvez seja o conceito que está mais próximo de mim. Por exemplo no álbum “Faixas Perdidas”, tento transmitir os meus ideais, talvez de uma forma um pouco arrojada ao qual poderá ferir susceptibilidades. Crescendo neste meio e tendo a experiência que tenho, falando de rosas não estaria a ser sincero. Não acho que o rap estimule a violência, simplesmente ela existe, é retratada, é algo que faz parte da realidade e incomoda.



És criticado por também optares por um estilo musical que está mais enraizado na tua cultura, por exemplo a Kizomba. Queres falar um pouco sobre isto?


Tenho sempre (risos). Quando as pessoas falam do Celso e do Ivo têm que ter mais cuidado, ao catalogarem-nos com isto ou com aquilo, porque ninguém tem o direito de julgar ou limitar ninguém. Eu não sou limitado e nunca vou ser, sou um ser humano que vive como todas as pessoas. Onde existe em mim ódio pode existir amor, se hoje apetece-me rir, amanhã pode apetecer-me chorar, tanto posso estar quieto como posso estar a saltar. Eu e o Ivo somos africanos e não me venham dizer que só o Rap serve-nos, viemos de um continente onde predomina a percussão, o Groove, o feeling e o ritmo e acho que não me vejo  enquadrado só no Rap. Vindo de uma família de músicos e sabendo tocar instrumentos iria me sentir preso.

 Eu não cresci a ouvir Rap e nem sequer conhecia o Tupac, e quando ouvi falar dele, já sabia quem era o Amílcar Cabral ou o Grace Évora, portanto, muito antes de ouvir Rap já sabia de onde vinham as minhas origens e do que gostava. O Rap é algo com o que me identifico, mas se amanha apetecer-me fazer Reggae eu vou fazer, mas sempre de uma forma instrutiva.

Vivemos numa sociedade onde muitas vezes abdicas de ter uma personalidade própria e tens que seguir políticas sociais. Eu respeito essas politicas, mas não me vou deixar cair na teia, quando tenho bases de uma família que me educou para ser eu próprio, logo, vou fazer a música que quero, falar da maneira que pretendo e ser a mesma pessoa até ao fim da minha vida. As criticas não me afectam, ate me ajudam a fazer bom Rap e sei que sou straight rapper e ninguém pode dizer que sou menos rapper, por fazer Kizomba. O mal dos rappers é que ainda não percebem que e necessário haver fórmulas para poder existir mercado e o Rap português ainda não foi imposto, porque existe a ausência de fórmulas. Quando começarem a pensar como os artistas de música africana, acredita que isto vai estar bem, pois no final de contas isto tudo é música e bussiness e se fazendo o que gostas podes ainda conseguir beber umas birras, fumar umas merdas, pagar a casa e andar num bom carro, bora lá.

Acredito que as pessoas nos criticam, porque as nossas Kizombas “batem” e porque somos artistas de Zouk muito conceituados. Além de termos um público que nos quer ouvir, temos dois ou três mercados que nos tentam puxar: temos o mercado de R&B, temos o mercado do Rap e ainda temos o mercado da música africana, não estamos em nenhum mas estamos em todos. Nos vendemos em 3 semanas o que 50 rappers não vendem em 50 anos. 

Muitos disseram que não iam fazer certas cenas, mas renderam-se e tens artistas como o Samuel e o Valete que daqui a dois anos estão a fazer coisas diferentes, porque música e música e na música não há regras.



Ultimamente temos presenciado algumas dissensões (algumas físicas) dentro do movimento. Achas que existe algum factor que estimule a lacuna de competitividade saudável?


Eu sou o Celso  músico, mas também sou Celso homem e há muita coisa que abordo com as bases que tenho como homem. Não minha opinião as divergências que se passam no Hip Hop português, estão relacionadas com a falta de maturidade. Toda a gente que não está no lugar do melhor, quer lá estar, mas quando lá chega, não tem estofo, eu vou te explicar: muita gente queria estar no lugar do TT, mas tem o problema da identidade e muitos ainda estão na fase da puberdade. Depois há outra questão: há falta de diálogo. Este que não entende o outro, o “disse que disse”, as fofocas… e ninguém se senta para falar como um adulto. Em alguns álbuns existem linhas que são mal interpretadas e que ninguém sabe o porquê, de onde e para quem são direccionadas. Ainda tens aqueles que não sabem o que querem e criticam quem faz algo que eles não gostam. Existe imaturidade, falta de respeito e consequentemente a existência destas ditas divergências. 

F: Se o Rap fosse um prato de culinária, quais seriam os ingredientes essenciais para uma receita gourmet?

C: (Risos) O Rap para mim nunca seria um prato, põe antes como um self-service ou buffet e tinha que ter um bocadinho de tudo: tinha que ter um TT, um Samuel, um Valete, um Boss AC, um Kromo, um rapper palhaço, um rapper mais pinga amor. Tínhamos que deixar que eles existissem, sem contra-indicações, para que todos se servissem a gosto. 

No mesmo prato não misturaria um molho de carne com um molho de peixe, seria uma mistura difícil de digerir. Mas como o Rap português e um simples prato e não um buffet, só se come o que está à frente. Imagina que sou uma batata de qualidade da horta do avô do Ivo e quero fazer parte da tua ementa, mas porque sou da horta do Ivo e não sou da horta do Y, não vou ser parte integrante desse buffet. São os lóbis.




O movimento Hip Hop em Portugal é um estilo que tem atingido o público consideravelmente. De uma forma geral, achas que este fenómeno deve-se ao facto de o Hip Hop estar na moda ou há um interesse aplicado?


O Hip Hop está na moda. Dou duas voltas na televisão e em qualquer canal encontras algo relacionado com Hip Hop, coisa que não vias há 10 anos atrás. Vês cinquenta miúdos a fazerem meia dúzia movimentos, e a  cuspirem umas rimas e já é Hip Hop, fazem 30 shows e já conseguem ganhar 3 mil a 4 mil euros e tens rappers que estão nesta merda há mais de 14 anos que não conseguem. 

Há dias estava assistir a um documentário de Rap onde estava o José Mariño, e é ridículo como em nenhum desses documentários é explicado a origem do Hip Hop em Portugal. O Rap não nasceu em 2000, o Rap não é só Sam The Kid, embora ele seja um dos expoentes máximos e tenho respeito pelo trabalho dele, pois ele fez com que o Rap tenha sido ouvido por pessoas diferentes. Mas se vamos dar props, vamos dá-los ao Boss AC e ao General D, que lhe calaram nos anos 90. 

Em todo o lado onde o Rap se fez sentir com intensidade, houve conflitos políticos. Aqui em Portugal eu ainda não vi nenhum rapper a ter problemas políticos. Quando as pessoas começarem a ouvir Rap para se instruírem, quando o Rap for encarado como arte, quando deixarem de gostar dos mesmos artistas o Rap vai deixar de estar na moda. Deixo a pergunta: quantos artistas portugueses encheriam o Pavilhão Atlântico?



Quanto aos media, acreditas que tem contribuído para a difusão da essência do Hip Hop de forma esclarecedora, e/ou denigrem o seu conceito?


Como não há muita exposição, se calhar não denigrem, mas também não ajudam. Minha mãe costuma dizer: “Dai a César o que é de César e dai a Deus o que é de Deus”. Nos muitas vezes choramos porque não nos dão, mas também não têm que nos dar. Nas minhas letras eu costumo dizer “parem de chorar”, mas também e difícil porque não temos um canal que passa as músicas que realmente queremos ouvir. Alguns canais de música como a MTV deixam muito a desejar e os artistas desses canais são a imagem desses canais, ou seja, merda. 

Os media tem uma politica, e se eu não posso mudá-la, a solução é criar um meio de comunicação onde exista espaço para todos. Há uma grande preocupação por parte de muitos artistas em passarem na MTV, no entanto a MTV é como a Mercedes: vende pelo nome. A MTV não quis passar nenhum dos meus vídeos e eu desafio qualquer um a ir ao Youtube e ver os vídeos dos meus dois últimos singles e me diga se não são melhores que muita merda que passa ai. Como não faço parte dos lóbis e não sou alguém que possa representar a imagem do canal eles não passaram os meus vídeos.

 Sei que por trás existem as exigências dos patrocinadores, mas se falo da rua nos meus sons, eu não vou fazer uma publicidade de laranjas, o que é que a minha realidade tem a ver com laranjas?

Não digo que deviam passar qualquer lixo coisa na MTV, mas acho que deveria existir mais imparcialidade e menos favoritismos.



Para muitos o Rap é uma forma de refúgio e para outros, uma arma de consensualização. Como músico, tens algum objectivo interventivo face aos problemas sociais?


Eu fui educado pela minha mãe, que foi a pessoa que mais me inspirou na vida. Ela é uma pessoa que se preocupa muito com a sociedade e ela transmitiu-me essa preocupação.

Nesta indústria, toda a gente quer vender 1 milhão e viver bem, porque no final do dia o que conta somos nós e o bem-estar da nossa família. Da porta para dentro eu nunca sou rapper, sou pai de uma família sou uma pessoa com problemas. O que quero fazer com a minha música é influenciar quem está ao meu redor, nem que seja duas pessoas. Eu fui um miúdo que não ouviu as letras que hoje escrevo para os putos ouvirem. Antigamente ouvia “vamos roubar, porque se não fores és mufino (cobarde) ”. Hoje digo “não roubes, porque senão vais para cadeia”. O meu lema é: “Faz o que te digo, não faças o que eu faço ou já fiz”, porque o meu objectivo é educar e nos meus álbuns é exactamente isso que eu faço. Quando digo educar, pode ser um homem de 100 anos no fim da sua vida, como pode ser um miúdo em fase de crescimento, porque há muita gente da minha idade que precisa de levar uma formatação.

Não quero ser o melhor, quero dar o meu máximo e a minha direcção é fazer-me ouvir. Vou sempre abordar assuntos que ninguém quer abordar, por exemplo o racismo que e um tema muito sensível. Eu vivo num bairro social e desde sempre estarei directamente em contacto com os problemas e acredito que já influenciei muitos putos, coisa que muitos possivelmente não fizeram. Se muitos estivessem interessados em trabalhar com associações, para combater a problemática social, haveria muito mais gente atenta a escutar os artistas. Por exemplo, não há muitos concertos de Rap nos bairros, só mesmo com os artistas que morram no bairro, só cantam no Ritz ou no Garage os artistas mais conceituados. Existe um separatismo imenso e eu quero educar a próxima geração a não reproduzir o mesmo e dar-lhes uma direcção.



Relativamente ao estado do Hip Hop Português na actualidade. Existem aspectos de gostarias de mudar ou melhorar.

 

O que existe neste momento, tem que existir, mas tem que haver lugar para outras coisas e para isso as rádios, televisão e etc., têm que abrir mais as mentalidades. Eu sei que estamos em tempo de crise e temos um mercado pequeno, justamente pelo facto de sermos poucos, mas deveria haver uma maior procura de produto nacional por parte dos que consomem. 

Em muitos países como no Estado Unidos onde o mercado é vasto, eles não esperam sentados à espera que as coisas aconteçam, eles vão atrás. Tens o Russel Simmons que foi o primeiro homem a dar imagem e voz à arte urbana e os media no início nem lhe deram importância, mas ele chegou lá. Precisamos de ícones como ele, infra-estruturas, organização, etc. Eu tento apoiar o people da street com o material que tenho… temos que ser mais unidos, ir aos concertos uns dos outros, fazer promoção do trabalho dos outros e deixar a rivalidade de lado. Se não existem infra-estruturas temos que criá-las, se não há meios monetários temos que nos movimentar e usar a cabeça.



Palavras Finais


Eu chamo-me Celso, filho de emigrantes cabo-verdianos. Nasci num ghetto e tive uma infância de merda, no entanto, tive a educação necessária para me tornar no homem que sou hoje em dia. Tive uma infância que me marcou e me ajudou a crescer e o que quero dizer, principalmente para os meus fãs, é que não se escondam atrás dos problemas, não tenham vergonha daquilo que são e nem deixem que isso vos limite. Se vocês querem mais, vocês podem ter mais, desde que haja organização. Quem gosta de Rap e quer andar para a frente, tem que se organizar primeiro como pessoa, organizar as ideias e organizar-se profissionalmente.

Nunca se esqueçam das vossas origens e tracem bem o caminho querem seguir, mas sem pisar ninguém. Haverá mudança nisto tudo, quando deixarmos de pensar em beef e começarmos a ajudar uns aos outros. Se calhar não sou a pessoa certa para dizer isso, pois muitos dizem que eu fomentei o beef, mas tenho a teoria que para haver paz tem que haver guerra, nem que seja para nos conhecermos melhor e resolvermos nossas diferenças.

Quem me segue peço que continue a confiar em mim. Cantando Kizomba, Pimba, Fado ou Rap, a minha direcção será sempre a mesma: representar de melhor maneira possível aquilo que nós somos e o que fazemos

Estejam atentos, pois para além dos álbuns vão ouvir muita produção minha, que não tem nada a ver com Rap interventivo, mas tudo numa de ajudar o cenário do Hip Hop português a subir.



Por: Makeda 

Fotos: Martim Borges


FREESTYLE/2009

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