Bob Da Rage Sense já vai no seu quarto trabalho. A Freestyle falou da sua evolução no Rap, da diferenças entre o movimento Angolano e o Português. E não se esqueceu da sua forte consciência social e política.

FreestyleNasceste em Luanda. Foi lá que tiveste o teu primeiro contacto com a música?

BobYa, comecei tudo em Luanda. Primeira vez que ouvi música…, Rap…, foi tudo lá.


O que te influenciou?

A maior influência foi o meu pai. Ele ouvia sons que, na altura, não faziam muito sentido em Angola, aquele Rock psicadélico dos anos 70, «Pink Floyd», «Led Zeppelin», «Bob Marley», Reggae e eu tinha mais facilidade em absorver essas músicas. As minhas influências nasceram a partir daí. Comecei a ouvir tudo o que era estilo musical diferente do que se fazia e deu no que deu (risos).


Como foi o teu começo no movimento Hip-Hop Angolano?

Nem sei se ainda me lembro! Já foi há tanto tempo... Comecei a ouvir rap por causa do meu irmão. Ele tinha um colega que era DJ e tinha bué cd’s, isto em 92/93. Lembro-me que estava a sair o «The Enter» da WuTang, «Resurrection» do Common e ainda cheguei a apanhar o «Tupacalypse». Este foi o contacto que tive com o Rap. Com Hip-Hop foi quando conheci o kool klever, que me ensinou imenso. Desde os primeiros concertos em Luanda, e tudo o mais que acontecia lá em torno do Hip-Hop, ele puxava-me e estávamos sempre dentro, até agora. Consegui apanhar todo o tipo de influência do pessoal mais old school de Angola, concertos, workshops, tudo. 

Já havia um bom movimento em Angola?

Grande mesmo. É irónico como é que Angola «está na moda» hoje. Quando cheguei cá, há oito anos, ninguém ligava muito ao pessoal de Angola. O HH Tuga, em termos de profissionalismo, sempre foi muito mais organizado, desde lançar cd’s, de ter artistas a assinar por editoras, como o caso do Boss AC, Black Company, MDG, era muito mais organizado, mas em termos de movimento, o angolano sempre foi muito maior do que o português.


Porquê Bob da Rage Sense.

Tem um duplo sentido. Rage Sense é sentido de raiva, uma raiva dirigida ao sistema em que vivemos. Eu sou contra a maior parte das teorias que fazem com que esse sistema exista. Bob porque é o meu nome, dado pelo meu pai em honra ao Bob Marley. Rage vem da minha banda preferida, que são os Rage Against da Machine e Sense vem de Common Sense, Common, que é o meu MC favorito. É uma ligação dos nomes que me influenciaram e uma metáfora em relação a tudo o que eu sou contra.


O teu primeiro trabalho, «Underground Konscientea« foi produzido em Luanda, pela Madtapes, em 2002. Como te sentiste ao ver o teu primeiro álbum editado?

Foi brutal. Esse foi o terceiro trabalho independente editado em Luanda. Na altura, gravava-se som por som, porque não havia condições para pagar um estúdio e passar várias horas a gravar um trabalho sólido. E esse nasceu quando o Samurai estava para ir para a África do Sul e tinha imensos instrumentais produzidos para uma compilação com vários artistas. Eu mostrei-lhe uma letra minha, uma das primeiras que escrevi com pés e cabeça porque, então, eu não escrevia muito, limitava-me a ler e a participar em battles. Ele gostou tanto que me deu todos os instrumentais e disse-me: «grava um EP». Entretanto, conheci o Laton, que já tinha um PC e um micro e entendia um bocado de sonoplastia. Começámos a trabalhar nisso. Eu ganhei uma consistência lírica mais forte no processo. Eu e o meu primo, o Raf Tag, sentámo-nos e aprofundámos os temas, que é algo que vários produtores nos EUA fazem: criar o instrumental e dizer ao MC que tema querem. Foi assim que o Samurai fez comigo. Então escrevemos o EP todo, o Laton ajudou na gravação e no tratamento das faixas, e foram dias de imenso trabalho, fechados num quarto a escrever, gravar…


Em 2002 vieste para Portugal. Que diferenças notaste entre o movimento em Angola e em Portugal?

A grande diferença é que eu evoluí mais musicalmente. Aqui (Portugal) é muito mais organizado, tens mais oportunidades de fazer música. Angola é maior do que Portugal mas, em questão de organização, nota-se um grande atraso. O movimento em Luanda sempre me inspirou imenso, pela consciência tão profunda que os MC’s de lá têm. Para os meus temas de hoje, eu ainda discuto com eles, como fazia há oito anos, com o pessoal com quem me dava, pela consciência e mentalidade política e social que eles têm. Em termos musicais, Portugal é mais evoluído, mais organizado e eu encontrei um ponto de equilíbrio.


Foi fácil a tua integração no nosso Hip-Hop?

Facílima. Em Luanda havia linhas de separação, como existe em todo o lado. Existia Rap revolucionário, rap comercial, rap consciente e nós conseguíamos juntar tudo e evoluir em conjunto. Criámos uma linha de Hip-Hop em Luanda, pois a nossa visão da sociedade era muito mais profunda e obscura do que a maior parte do pessoal e a forma como desenvolvíamos os nossos temas era muito complexa. Houve até uma geração de putos que começou a criticar à toa porque não percebia as nossas metáforas. Cá em Portugal isso já se fazia, já tinhas os Dealema, MDG, Fuse. Tanto assim é que metade do HH underground em Luanda foi inspirado no Fuse. O Mundo era o meu MC de eleição quando eu estava em Luanda e nota-se a diferença de filosofia entre o pessoal de Lisboa e o do Porto. Eu, graças ao hábito de escrever de forma complexa, integrei-me bem. Adaptei-me à realidade, foi fácil a socialização e fui bem recebido.


Em 2004 lançaste «Bobinagem». Um álbum iniciado em Luanda e terminado em Lisboa. As tuas experiências pessoais, tanto em Luanda como em Lisboa foram determinantes para o conteúdo do álbum?

Sim, com o Bobinagem consegui absorver o melhor dos dois lados, a minha experiência de vida de Angola e a visão que estava a ter sobre a sociedade portuguesa, pois estava a acabar de chegar, a minha inspiração, paixão em relação ao povo Angolano aumentou porque estando fora podia expressar-me da maneira que quisesse e ao mesmo tempo aprendi a organizar-me musicalmente quando conheci alguns mcs e produtores de cá, e pronto o Bobinagem nasceu disso, tanto que se nota uma certa descrespância na minha maneira de rimar em algumas faixas, o álbum(bobinagem) nasceu em Angola e cresceu em portugal...


Como reagiu o público a este trabalho?

Foi considerado pela HHNation o melhor álbum independente e nem teve publicidade, marketing, nada. O trabalho foi gravado, eu enviei para o Samurai, que tratou de tudo, desde o grafismo até à produção. Foram feitas 500 cópias e eu fui passando o álbum de mão em mão ao Bomber, ao Sam, ao Valete, e eles foram espalhando e, assim, fui criando uma base. Deixei o álbum na King Size também. Não houve publicidade, flyers, nada, foi tudo natural e o feedback foi fantástico. Abriu-me imensas portas. Foi espontâneo, eu tinha o trabalho, distribui-o e fui recebendo um feedback muito positivo.


És um MC que deposita nas suas rimas uma vertente política e activista bastante forte. Como se desenvolveu essa tua postura?

É que se desenvolveu mesmo! Eu já tenho consciência política desde pequeno. A minha família, da parte do meu pai, teve um papel activo na luta pela independência de Angola. O meu pai estudou na União Soviética e em Cuba e eu, quando era puto, já ouvia aquelas discussões políticas dos meus avós, dos meus pais e fui apanhando e absorvendo. Essa consciência cresceu mais quando comecei a escrever o meu EP. Eu e o Raf éramos obrigados a ler muito, engolíamos livros. E continuei a desenvolver essa consciência. Inscrevi-me no Bloco de Esquerda, fui participando em debates, manifestações e transponho isso e as minhas experiências para as minhas rimas. É sobre isso que eu quero escrever, é essa a minha mensagem.


O teu último trabalho, editado em 2007, «M.P.L.A.» (Menos Pão, Luz e Água) é outro exemplo dessa tua postura. O nome até acaba por ter um duplo sentido…

Eu e o Raf sempre tivemos a mania de criar siglas para as coisas. Por exemplo DEP, é Descansa em Paz, mas nós dávamos outro significado, estilo Descanso Eterno Perturbado. E criávamos cenas estranhas e que o pessoal nem sempre entendia. O MPLA foi criado a partir daí. Pela crítica e pela perseguição que havia em Luanda, foi uma forma de eu criticar o que se passava lá. Menos Pão, Luz e Água. É esse o significado, tanto do álbum, como da vida das pessoas em Luanda.


Achas que influencia quem te ouve? É um objectivo teu que isso aconteça?

Recebo vários e-mails de pessoal que sentem as dicas. Muitas vezes não temos a noção do que fazemos. Fazemos simplesmente e, quando o trabalho sai, não tens noção nem consciência das pessoas que vais atingir. Mas sinto um feedback muito positivo em relação ao que faço. E a minha postura é assumir que sou político e que devemos censurar a censura e admitirmos isso. Criou uma imagem de mim que é positiva nesse sentido, pois é esse o caminho que tenciono seguir. 



Pensas que algum dia a tua voz e rimas poderão contribuir directamente para a mudança e para um novo mundo?

Acredito que sim, senão já teria desistido há muito tempo. A música é o melhor meio de comunicação e de transporte para uma mensagem. As pessoas que têm knowledge vivem sempre com problemas. Há quem diga que prefere ser ignorante e ser feliz e viver a sua vida sem olhar para os problemas, mas eu não consigo viver assim. Desde o mais pequeno problema ao maior escândalo, eu não consigo ignorar e tenho de me expressar. E acredito que sim: se em mil pessoas eu conseguir mudar uma, vou cantar vitória.


Estiveste em Espanha com o teu último trabalho. Foi positiva essa experiência? 

Foi excelente. É estranho, em Luanda eu fazia parte de um movimento em que já era conhecido e quando vim para cá consegui criar o meu espaço e expor o meu trabalho. Fui o primeiro MC em Portugal, sem contar com os artistas mais mainstream, a assinar um contrato com uma editora estrangeira e a editar o meu trabalho fora de portas, fazer merchandising e dar concertos. Eu nem percebi bem como foi. Eles escolheram o meu trabalho no meio de vários outros com qualidade, Sam, Valete, etc. Trataram de tudo e tratam-nos sempre bem quando lá vamos. Ainda estou a viver essa experiência, porque as coisas continuam, o contrato mantém-se e ainda vou lá. Tenho tido muita sorte, porque, tanto cá como no estrangeiro, têm acreditado no meu trabalho e sentem o que faço.


Agora pela Footmovin, foi lançada uma reedição dos teus últimos dois projectos “Bobinagem” e “M.P.L.A.”. Porquê? 

O Bomber até queria fazer a reedição dos três, “Underground Konsciente”, “Bobinagem” e “MPLA”. O Bobinagem foi uma edição limitada; o Samurai, para cá, só mandou 500 cópias e essas cópias andaram sem promoção, sem nada. Tem sons particulares e muitos dizem que é o meu melhor álbum, tanto pessoal do Hip-Hop como de fora. Por ter sido edição limitada e haver ainda muita procura, o Bomber decidiu fazer a reedição. Eu nem queria, porque jugo que quando há um álbum mais recente, o outro já não está tão forte. Mas o Bomber decidiu avançar e tem sido bem recebido. Já enviámos para Angola e esgotaram, vamos enviar mais. Quem não comprou o “MPLA” pode adquiri-lo e quem não comprou o “Bobinagem”, pode fazê-lo e ficam com um pack. Também foi edição limitada, para não saturar muito o mercado com os meus trabalhos.


Álbum novo?

Álbum novo para sair agora em Outubro. Trabalhei um ano e meio nesse álbum. Quando acabei o “MPLA”, já tinha as letras todas para este novo projecto. Eu estou constantemente a escrever e quando acabei este novo álbum, também já tinha as letras do álbum que se vai seguir. Os artistas têm a mania de dizer «o próximo álbum vai ser o meu melhor», mas eu afirmo mesmo, vai ser o meu melhor trabalho! Trabalhei com gente com quem nunca esperei trabalhar, como Cool Hipnoise, New Max, pessoal que já tinha trabalhado comigo antes, como o Sam, o Scratch, Assassin, Dino, Tamin, entre outros. O álbum está muito forte musicalmente, muito mais consciente. Espero que dar mais um pulo e sequência aos meus álbuns e espero que as pessoas ouçam e sintam. “Diário de Marcus Robert”. 


mixtape Incediários, correu como esperavam?

Isso foi uma brincadeira que eu e o Scratch decidimos fazer e o Bomber apoiou. Foi feita numa semana, incluindo convidar os artistas, letras, gravação. Não passou de uma brincadeira sem intenção de ofender ninguém, mas que deu os problemas que todos sabem. Isso já passou! Mixtapes não é a minha prioridade, mas estávamos a sentir e decidimos lançar e, de uma forma geral, foi muito bom. Teve um bom buzz, o pessoal aderiu, e divertimo-nos, tanto em estúdio como fora. O resto, o que as pessoas comentam e o que se passou, é irrelevante. São intrigas, problemas que são criados em todo o lado, até numa empresa grande. Sempre que tentares fazer uma cena, por mais fixe que esteja, há-de vir sempre alguém com inveja e tentar destruir.


Sentes que fazem falta mais mixtapes?

Claro! O pessoal perde mais tempo a falar à toa nos blogs e na internet do que a trabalhar. A maioria dos que nos acusam de sermos arrogantes é por causa do trabalho que fazemos. Não é por estarmos sentados em casa o dia inteiro, em frente do computador. Nós estamos a maior parte do dia em estúdio, a trabalhar e a pensar em inovar. Deviam largar os teclados e os comentários invejosos e as criticas destrutivas e pegar numa caneta e escrever letras e trabalhar, seja no Hip-Hop, seja nas obras, no Mac… arranjem uma ocupação, um trabalho. Se nós fossemos insignificantes, ninguém falava de nós; o Sam não faz mal a uma mosca e muitos falam mal dele. A inveja é a maior arma dos fracos, mas isso não é relevante, nós absorvemos o bom, o mau passa-nos ao lado. No geral, tenho-me divertido mais do que o contrário. Tenho mais coisas positivas e que me fazem continuar.


Como vês o estado actual do Hip-Hop?

Ao nível geral, todos sabemos que sofreu mutações graves e radicais. Dantes o pessoal fazia o que sentia, mas infelizmente as indústrias foram-se apoderando e tomando conta disto. Eu ouço Hip-Hop há imenso tempo e acompanhei as transformações dos artistas. Mudou muito… o Common, que é dos meus MC’s favoritos, hoje faz publicidade para a Diesel… eu não condeno, porque também tenho patrocínios e, indirectamente, também faço publicidade para marcas, mas ao ponto de banalizarem as cenas para vender, não. A indústria musical escravizou os MC’s que, nos anos 90, foram os nossos heróis. Por um lado, foi positivo porque o mundo inteiro ficou a conhecer mais a nossa cultura. Mas, por outro lado, tirou a essência do Hip-Hop. Existem coisas positivas, mas as negativas começam a superiorizar-se. As editoras querem moldar o teu trabalho, querem-te tirar a essência, caso contrário não te apoiam. Eu já só ouço álbuns dos anos 90 e anteriores, que são os que ainda me dizem alguma coisa, porque o mais recente já não me transmite nada. Mas o Hip-Hop, para quem é realmente amante, é como a religião, vives a 100 por cento e, quem sente, consegue contornar a escravidão e encontrar as influências positivas. O Nas disse que o Hip-Hop estava morto e o Common respondeu que se o Hip-Hop morreu ele estava ali para ressuscitá-lo, porque tu ressuscitas o Hip-Hop de cada vez que fazes uma cena boa por ele.


Projectos para o futuro.

Vai sair o meu novo álbum, vídeo, fazer promoção do álbum, continuar a minha odisseia em Espanha. Ir a Angola, que já não vou lá há muito tempo e muita gente quer-me ver. Em Moçambique vou tentar alcançar o máximo dos Palop. O meu objectivo principal é atingir os que me conseguem entender. 


Palavras finais.

Trabalhem, não fiquem só na Internet. Façam algo pelo Hip-Hop, não o deixem morrer, não deixem que as indústrias o dominem e passem a ser parte da cultura. Respeitem-se uns aos outros. Paz, união e respeito foi o lema de quem criou o Hip-Hop. Façam trabalhos, independentemente do que fizerem, do que falarem, façam é bem e com qualidade. Saiam da toca, dêem-se a conhecer; se as pessoas ficarem à espera das coisas, elas nunca lhes chegam. Vão atrás dos vossos objectivos.



Por: Tiago Costa Rebelo
Fotos: Gentilmente cedidas pelo artista


FREESTYLE/2009

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