Carrega no seu currículo uma invejável experiência por ter passado por vários destinos. Biru  a.k.a. B.I.R.R.U.L:ex é um visionário da música e da vida e também um modesto produtor que nos transporta para uma dimensão onde o Rap pode tomar varias formas.

Freestyle: Fala-nos do Biru?


Biru: O Biru é um filho de emigrantes, nascido em Portugal na década de 80, na casa onde os seus pais eram serventes. Uma pessoa sensível e inconformada. E, de momento, passados vinte e poucos anos, rapper e edutainer. Mais, é motivo de censura, ou simplesmente desinteressante...



Na faixa Emecees?, do teu EP «Dica da Semana», começas o refrão com: «Dizem que são Mc’s, mas não passam de rappers. O que distingue, em teu entender, um Mc de um Rapper?


Mc é basicamente um super Rapper, porque não rima apenas e não usa a palavra só para si. Usa a palavra para representar uma comunidade ou uma entidade. É alguém que vai além da sua pessoa, aquele que se expressa nas palavras que escreve, que se foca quando pega no microfone e, quando pega no microfone, preocupa-se com o seu ambiente, com a comunicação. Ou seja, ele faz questão de ser entendido e de ser o reflexo de quem o entende. É alguém que em palco move o público, em plena simbiose com ele. O Rapper é apenas alguém que rappa para ele e não se preocupa com o resto, que rima porque gosta. É um rebelde, que nem sempre procura uma causa. Não vou dizer que é alguém que se fecha no seu mundo, porque pode também abranger uma globalidade, mas não se preocupa em ser entendido, porque não se sente como um representante de algo ou de alguém.



Então há uma mensagem?


Quando eu disse: «Dizem-se MC’s mas não passam de Rappers», a mensagem é supostamente, para ser entendida além do Hip-Hop. O que falo neste caso é sobre pessoas que se julgam muito, mas na verdade são débeis. E, em concreto no Hip-Hop, o que lhes falta é o knowledge, a experiência para obter esse conhecimento e o respeito pelo que fazem.



De que forma o ambiente que te rodeia influencia a tua escrita?


Eu sou um produto do meu ambiente. Absorvo-o e depois reproduzo-o através do que tenho (coração e mente). Por exemplo, muitas pessoas associam o Hip-Hop a um movimento incitador da violência. Mas, o que se passa é que, quando o meu ambiente é violento o que eu expresso através da minha arte é essa violência. E tanto pode ser a violência em si como pode ser uma solução para ela ou uma mensagem de paz. É a dica do manter real. Mas também uso muito a imaginação, porque há lugares que a realidade não alcança.



Existe uma linha fundamentalista de ouvintes no rap que acha que para o fazer é preciso transmitir uma mensagem. Qual é a tua opinião sobre isso?


Isso é que difere um Mc de um Rapper. Um Mc preocupa-se com a mensagem, porque sabe de onde é que veio, sabe como é que as coisas começaram, tenta manter essa linha de raciocínio e expressá-la. As pessoas dizem que sou Mc, mas eu considero-me um Rapper. Passei por uma fase em que só rimava e estava mesmo viciado na rima, tendo-me desligado um bocado da mensagem. Hoje é mais de feelings, é consoante aquilo que sinto. Hip-Hop é liberdade e tu tens que fazer aquilo que tu sentes.



Sei que tens uma veia de produtor e pude sentir a versatilidade das tuas produções. Quando produzes quais são as tuas influências rítmicas?


Primeiro, queria esclarecer que não sou produtor, eu faço beats mas não me considero produtor. É quase a mesma coisa do que, sendo eu Rapper, dizer que sou Mc. Ritmos que me influenciam mais… Desde puto que oiço música africana por intermédio do meu pai. Da minha mãe nem tanto, pois ela ouvia muito mais música latina, muito merengue e salsa. Para a produção de beats, basicamente, eu copio. Nem sou assim muito original. Gosto muito de Jazz e procuro muito esta sonoridade. Então vou aos ditos produtores e oiço como é que eles fazem os drums, as linhas de baixo, as harmonias, melodias e que tipo de vibe é que se consegue através dos drums. Normalmente, uso o mesmo pattern de drums, de produtores que sinto. Depois o que varia mais são os samples, a maneira como os trato e sequencio, e as linhas de baixo.



Achas que certos instrumentais podem muitas vezes ofuscar o MC?


Acho que deveria haver um equilíbrio. No princípio, respeitava -se muito mais o instrumental, o nosso pilar, a nossa base era o Dj e o produtor. Depois aconteceu que o Mc tomou posse. Com a entrada do Hip-Hop para o mundo Pop começou-se a tomar mais atenção à estrutura da música, ou seja, já não fazemos só loops, mas preocupamo-nos em ter uma intro, preocupamo-nos em ter um break e uma bridge, e isto favorece tanto o instrumental como o rap. Respondendo à tua pergunta, apesar de certos instrumentais terem um grande impacto o Mc terá sempre o seu brilho, se existir um equilíbrio, e teremos uma boa música. Que é o que se pretende.



Quais são as lacunas do Rap português?


Há uma extrema necessidade de manter a raiz e eu percebo o porquê. Portugal, para já, é pequeno e quando se desliga da sua raiz torna-se algo comercial, vendido e perde-se muito facilmente da sua raiz. Eu percebo essa defesa, mas está na altura de sairmos do ghetto mental e abranger outras áreas, descentralizar.



Achas que o rap português tem potencialidade para se afirmar além fronteiras?


Ya claro! Os portugueses, basicamente, são um povo emigrante. Para qualquer sítio que vás, encontras um português. Só por causa disso o Rap já tem uma oportunidade de chegar a outros países. Existe também uma mentalidade própria do povo português o que oferece uma identidade própria e, logo, uma distinção do resto. E também há uma musicalidade inerente a este povo, em termos de música popular, a qual pode ser usada e transportar a música Rap para a categoria de World Music. Por isso, sim, esse potencial existe.



Já estiveste em alguns países, trabalhaste com vários produtores, fizeste uma tour de limusine pelos Estados Unidos. No que é que estas aventuras contribuíram para o que és?


Faz parte de mim. Não consigo ver-me em palco sem sentir completamente o resto que vivi. Em 2003, quando entrei no estúdio, por causa de uns amigos meus, ouvi um som que nunca tinha ouvido antes, e era Rap. Só que nunca tinha ouvido feito daquela maneira e era de alguém de Los Angeles chamado Busdriver. Isso abriu-me horizontes e ganhei liberdade para fazer aquilo que quero. Ele utiliza muito a percussão de boca, ou seja, muito ritmadas silabicamente. Não sei se te lembras do Scataman: «I'm the scatman!Ski bi di bi di do bap do bap do ba do bap». Isso é Rap sem palavras e isto são conceitos dos quais, em Portugal, os rappers não têm muita consciência, mesmo quando o fazem. E, tal como nesta técnica, existem muitas outras, com as quais eu só tomei contacto quando saí do meu ghetto mental. 



Como foi em Los Angeles?


Estive em Los Angeles antes de iniciar a tour e antes de lá chegar tinha uma mentalidade: «os americanos são um bocado desleixados, não têm conhecimento do resto do mundo, focam-se só na América». Mas, quando cheguei, fiquei surpreendido. Muitos deles drogavam-se dia e noite e viviam aquele american life style, mas trabalhavam que era uma coisa louca e sempre bem organizados e objectivos. Estive com uma crew, chamada The ShapeShifters, cujos membros fazem parte da lendária Crew de Graffiti CBS. Impressionaram-me pela forma como se organizavam, sempre à procura de alternativas e meios de furar o mercado, o puro hustle. Acho que nos falta um pouco desta iniciativa. Também os nossos recursos não são muitos, quando comparado aos dos States que é um país enorme. Por exemplo, a Freestyle é uma boa iniciativa e é uma revista que está mesmo a bater. O pessoal diz que tem lacunas, mas é como tudo: haverá sempre coisas por preencher e a melhorar. O movimento em Portugal está parado e, quando há movimento, é uma pessoa ou certas excepções mais notórias nos ghettos como por exemplo OPP e a cena do Chulla com Red Eyes e a Khapaz.



Tens um canal, o iBoomBox TV, onde expões as tuas ideias e também é um espaço aberto para troca de opiniões. É importante para ti utilizar este tipo de mecanismo para deixar transparecer os teus pontos de vista?


Sim é um canal híbrido, ainda não está em plena função, mas está online na Horizontal e no meu espaço. Mas, deixa-me explicar: i vem do i como em iPod, e é alusivo ao avanço da tecnologia e BoomBox vem do cantante, do ghetto blaster. iBoomBox é então a ligação do avanço da tecnologia, mas sem desligar das raízes. Para existir essa união é necessário adoptar a vertente do conhecimento. Devemos partilhar conhecimento uns com os outros e passar a palavra. O mal é que nos interessa muito mais a intriga do que realmente algo que nos faça progredir. O objectivo, ao criar o iBoomBox, foi estimular o pensamento e deixar de lado aquilo que eu chamo fútil. Já fui jogador de futebol e actor na escola primária e, por isso, respeito as novelas (risos), mas acho que há coisas mais relevantes que deixamos de parte. O canal serve para pôr as cartas na mesa e representa um pouco o desligar, é mais ou menos o exodus onde te desprendes de tudo e fazes a tua dica, livre destas ficções sociais.



No passado venceste um campeonato de bandas, juntamente com BoomBox Crew e este ano venceste o primeiro concurso nacional de Poerty Slam. Qual tem sido o relevo destes prémios na tua vida?


Excelente. Começando por BoomboxCrew, o festival no qual fomos vencedores foi o Resound Fest, organizado pela escola Restart. Estávamos com altas expectativas, mesmo numa de alimentar o ego e de obter o prémio de gravação de um vídeo. Quando chegámos, ficámos com a impressão que havia já um vencedor predestinado e estávamos convencidos de que não íamos ganhar. Mas ganhamos exequo com outros. A repercussão que houve a partir daí não foi nenhuma em termos concretos. Não tivemos muitos mais concertos por causa disso, mas fomos mencionados no site da Restart, em que algumas pessoas falaram sobre o evento e deu-nos alguma promoção, foi bom para nós e para o nosso ego. 



Em relação ao Poetry Slam… 


Quando era puto tinha um caderno da primária onde escrevi a minha primeira rima que foi: «Tenho um macaco dentro de um saco, não sei o que lhe digo, não sei o que lhe faço. Dou-lhe um osso diz que é grosso, dou-lhe um pau diz que é mau, dou-lhe um chouriço, - isso, isso». Gostei da sonoridade das coisas e a rima é algo que entra bem no ouvido. Eu sempre escrevi, mas desliguei-me completamente e fiquei-me mais pelo rap. A poesia é livre e tem maior liberdade do que o rap. Entrei no concurso de Poetry Slam através de uma rapariga que foi ver o concerto de iBoomBox no Music Box e que me desafiou e incentivou a participar, a Nais do grupo Material Eyes. Eu já não escrevia poesia há algum tempo. E o Slam é parte rua e está ligado directamente ao Hip-Hop, mas faltava-me a parte poética, no sentido mais profundo da dica. Então, mostrei-me um pouco de pé atrás. Mas depois, à última da hora, inscrevi-me. Confesso que já não me sentia tão nervoso há muito tempo. Foi bom para mim, mesmo para superar o meu ego que estava lá no alto e desceu, desceu muito. Subi ao palco, a primeira cena correu bem, a segunda e a terceira nem por isso, estava mesmo aquém daquilo que poderia fazer, mas saí de lá vencedor e as repercussões estão a ser muitas. Tenho a agenda cheia, vou representar Portugal na Polónia e talvez na Alemanha, onde vai haver um concurso. Abriu-me novos horizontes, pois posso fazer uma coisa paralela àquilo que estou a fazer com a banda, e também trabalhar no meu projecto a solo e, claro, espero eu, que venha mais dinheiro (risos).



Projectos futuros?


Temos o iBoomBox. Para quem não sabe, iBoomBox surgiu da minha necessidade de tornar o EP «Dica da semana» numa cena mais orgânica, então estou com um baixo, uma guitarra e uma bateria. Gravamos o EP de apresentação na semana passada, em Outubro já deve estar nas ruas. Se não estiver, estará em Outubro na mesma, porque tem que sair em Outubro de qualquer forma. Além disso, eu estou agora com um projecto com o Franky the Fly, que é um produtor americano e estamos a tentar fazer uma cena mais instrumental, ou seja vou ver se trago a MPC para o conjunto. Algumas faixas vão ter voz, mas ainda não temos nome para o projecto. Por enquanto fica Biru e Franky the Fly. Tenho aí uma surpresa a surgir, para dar continuidade ao EP «Dica da semana», que ainda não vou revelar, mas é com produções do Master Chikano de Massamá. Tenho também projectos para iBoomBox onde vai haver uma newsletter, iBoomBox TV, iBoomBox parte instrumental, iBoomBox Culinária, não estou a brincar (risos).



Para fechar…


Estamos numa altura crucial do movimento, onde estão a surgir novas coisas, people com iniciativa. Não fiquem trancados em casa, saiam mais à rua! Para quem produz, saiam do estúdio e procurem músicos, porque há muitos na praça portuguesa, bons músicos mesmo. Para o pessoal que está a iniciar, estudem! Sempre me disseram para fazer o TPC e é mesmo essencial fazer o trabalho de casa, porque podes começar e ter o talento necessário, mas se não tiveres os pilares, as raízes, as pessoas vão notar, vão olhar para ti e vão-te testar e se não estiveres preparado vais cair muito rápido, muito mais rápido do que subiste. Um big shout out para o meu people, The Shapeshifters, Bomb Tank, LGN, 12 MKKS Fam, Nástio Mosquito, BCV, Queijas, Arrabaça e para o pessoal do Hip-Hop Tuga (se é que isso existe!!) 

Chekem www.myspace.com/birulex

iBoomBox. Paz.




Por: Makeda

Fotos: Martim Borges


FREESTYLE/2009

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