Depois de um pequeno “Desabafo” inicial, MC Ary apresenta-nos agora a sua “Consciência dos 20”. O animado “puto” com sangue Brasa, de Pensador nos ouvidos, mostrou-nos que está sempre pronto a responder quando a questão é Freestyle!

Freestyle: O que é a “Consciência dos 20”? 

Ary: A consciência é a capacidade de perceber a relação entre nós mesmos e um ambiente e os 20 simbolizam a década relacionada com a maturidade intelectual. Pretendi exprimir no título que existe uma fase que normalmente nos define como pessoas: o que queremos, para onde vamos, amamos ou matamos os nossos sonhos, quem nós somos, o que fazemos com o passado, etc. Eu creio estar a atravessar esta fase, muito seguro do que sou e nunca esquecendo o que fui. Sendo assim, em termos musicais, este CD (composto por mixtape e EP) é uma apresentação do MC Ary. Submeti-o a uma ordem cronológica para tentar criar um ambiente onde cada faixa representa uma fase/etapa da minha vida. Optei por este formato porque gosto de conhecer a história de vida de um artista e, logo, achei importante dar a conhecer a minha própria história.


Quase cinco anos depois da maquete “Desabafo”, este novo trabalho aparece a demonstrar um notório crescimento e evolução a todos os níveis. Em jeito de auto-avaliação, apresenta-nos a tua opinião sobre os pontos onde ainda podes vir a evoluir mais.

Estive muito tempo sem lançar nada. Sempre fui muito auto-crítico e achava que se fosse para lançar alguma cena teria de estar muito melhor do que o “Desabafo”. O “Desabafo” apesar de ter sido bom para o meu crescimento, foi algo stressante e imaturo! Foi a primeira vez em estúdio e em seis horas gravei um CD. Acham Normal? Eu não! Falhei métricas, estava super nervoso, não sabia como colocar a voz, etc. Trabalhar em estúdio não é fácil. Até hoje, prefiro mil vezes o palco a um estúdio. Não pensei muito sobre onde posso evoluir mais, o CD ainda está muito fresco e eu gostei do resultado, o que faz com que, por enquanto, eu ainda esteja a digerir bem a refeição que eu próprio cozinhei. Se calhar, daqui a uns meses já vou saber responder melhor a esta pergunta.


Ao longo de todo o álbum expões de forma explícita a tua fé. Achas que de alguma forma isso poderá contar como um ponto positivo ou negativo no feedback a receber ao teu trabalho?

Acho que até a Fé em Deus é uma questão de moda hoje em dia. Houve uma altura, não há muito tempo, que, por forte influência de alguns MC’s, muitos MC’s da nova escola e ouvintes de RAP eram contra Cristo ou eram ateus! E eram esses mesmos MC’s da nova escola que há dois sons atrás falavam de Deus como um apoio nas suas vidas e Alguém que um dia iria fazer dos fracos, fortes. É como digo na mix do Cruzfader: “Frutos da moda. Eles não têm ideologias, têm ideias que variam de dia para dia!”. Neste momento não sei em que ponto da situação estamos, mas sinceramente pouco me interessa. Se eu ligasse a isso, tinha que deixar de fazer Rap, porque o ser Cristão faz parte do eu ser real, e tal como diz o EMICIDA (MC Brasileiro) “ninguém escolhe fazer rap, na moral! O rap me escolheu porque aguento ser real!” Sinceramente só espero que isso não se assente como um preconceito mesquinho numa cultura tão livre! 


Na faixa Dimas, parte do EP, é-nos apresentada uma realidade que passa pela perda de um irmão entre outras “feridas”. Este é um relato em primeira pessoa? 

Nunca perdi um irmão de sangue nas ruas, mas já perdi amigos que eram como família. Todas as minhas letras têm um bocado de mim, algo que mexe comigo, porque ou vivi as situações ou vi de tão perto que deu para as sentir. A letra do “Dimas”, como outras do CD, tem estes dois tipos de sentir. Comecei a escrevê-la no dia em que o Rato morreu baleado nas costas pela Policia. (RIP) A raiva foi o sentimento que mais se destacou quando soube. Ele roubou um carro e fugiu à bófia, mas nada disso justifica balear um rapaz tão Jovem, quando ele já fugia a pé e ainda por cima pelas costas... Quem vem de onde eu venho sabe dar nome a esta situação.


Se sim, diz-nos como se consegue lidar com tamanhas memórias e pesados sentimentos.

Depois disto, lembrei-me do caso de um puto da Cova da Moura que foi baleado supostamente por acidente. Dizem que o confundiram com um bandido, gritaram para ele parar mas, no instinto, ele correu. Faleceu também. (Um love para o people da Cova! Paz para os Guerreiros!) Juntei essas duas histórias com a história de Dimas, nome do bandido que durante a crucificação estava numa cruz ao lado de Cristo e, mesmo sendo um temível bandido da altura, foi perdoado por Cristo. E tudo isto a juntar aos argumentos e factos vividos por mim e todo o povo imigrante numa terra que nos viu crescer, mas à qual nunca vamos poder chamar de casa. Não sei dizer como lidamos diariamente com estes sentimentos expostos no som, mas sei que somos duros de roer e brindamos diariamente a isso. Quando o Tiago morreu, lembro-me de ouvir alguém mais sábio a dizer “a melhor maneira de honrar os mortos é viver”. Este som é um grito de honra aos que nos deixaram tão cedo, que Deus vos tenha.


Quais as influências e referências que tens vindo a ter durante todo o teu percurso?

A minha grande influência no Rap desde sempre e para sempre é o Gabriel O Pensador, já ouvia o cara em 93, com 5 anos. É o meu sonho de Feat! Os Racionais Mc’s também marcaram uma grande fase da minha vida. Da tuga, o Sam foi importante, não só pelas rimas, mas pelo modo como lançou o primeiro CD dele, fez-me acreditar que era possível. O Boss AC dos anos 90 fez parte de uma fase de crescimento da minha vida. Ainda hoje pus o primeiro álbum dele no meu mp4. O Bob e o Scratch têm sido mais do que amigos e parceiros de música, são referências presentes no meu percurso! Fora da língua Lusa as grandes influências foram o Common, o Nas e o Talib.


Existe alguma coisa em especial que gostasses que retivessem do conteúdo deste teu trabalho?

Este meu segundo trabalho é uma apresentação do que o Ary é, não só como MC mas também como Pessoa. Gostava que as pessoas que se identificam comigo e/ou com a minha música, tirassem exemplos de Fé, luta, dor, amor e esperança para as suas vidas. 


Tentas marcar algum tipo de diferença, através da tua postura e vivacidade no Hiphop e em palco?

Sim. Nunca fui adepto de seguir as maiorias, porque, aliás, normalmente. não tinha hipótese de não pertencer às minorias. Desde cedo comecei a ganhar um certo gosto pelo que era nosso, mesmo que fosse pouco. Aprendi a ver as coisas positivas, a gostar das coisas simples da vida e a viver cada momento importante com muita intensidade e paixão. No fundo aprendi a amar o sonho, a crítica e a arte de pensar. Por isso, tento que a minha postura seja sempre fiel ao que eu sou e, se possível, que contagie quem me ouve. No fundo, tento ser uma doença benigna. (risos) Apercebi-me disto definitivamente quando, depois de um concerto em Coimbra, dei um Freestyle sobre “se as nossas mães nos tivessem abortado” e, no final, veio ter comigo uma miúda que disse “Eu ia abortar, mas fiquei tão tocada com o que disseste que vou ter este filho, Obrigado ”. Senti a intervenção na pele e é por isto que um concerto para dez pessoas nunca deixa de ser especial: se conquistares pelo menos uma, já é uma vitória.


No teu dia-a-dia tens o privilégio de poder intervir na sociedade através do trabalho com jovens. Fala-nos um pouco sobre esta oportunidade e como pretendes marcar uma diferença.

É uma benção! Já faço voluntariado com crianças e adolescentes vindos de ambientes problemáticos há quatro anos. Entretanto, abriu uma vaga no ACJ (Ajuda Cristã à Juventude), depois de eles terem ganhado um dos lugares no concurso do “projecto escolhas”. Convidaram-me e é claro que aceitei. Liguei logo à minha namorada a dizer: “Deixei de vender roupa. Vou vender sonhos!” Tento ser um testemunho vivo para eles. Como digo numa das faixas do CD “plantei lágrimas para hoje dar-te um sorriso” e é esse um dos meus objectivos de vida. Acho sábio transformar a dor em receitas para a vida. Espero que eles me vejam como alguém que triunfou na vida, não por razões monetárias mas a nível emocional. A verdade é que estou a viver um dos meus sonhos e é como diz a Bíblia: “Mais vale dar que receber”


Para concluir, queres deixar algum “Freestyle” aos leitores desta revista?

Desde já desculpem se vos angustiei com as minhas histórias, mas há outras páginas na revista! (risos) Não deixo um freestyle, mas sim uma dica que vou dar no CD do Manifesto, um Novo Produtor de Chelas com grande talento!
“...Eles fazem música para encher o mealheiro.
A cota preferia que eu fizesse música de baile

Mas mãe é inevitável, eu sou Rap a tempo inteiro

Porque a minha vida é um Freestyle!”




Por: Rui Meireles
Fotos: Hugo Moura


FREESTYLE/2010


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