A maturidade do hip hop português


Em 2009, passam quinze anos desde que o rap deixou de ser um termo desconhecido para a sociedade portuguesa. O primeiro contacto foi da responsabilidade dos Black Company. Em 1994, a expressão "não sabe nadar, yo" tornou-se familiar, primeiro. Mais tarde, passou a servir par chacotear os "fracos e oprimidos". A brincar, a brincar, o rap tinha chegado para ficar. 

A etapa seguinte foi a da futurologia. Quem seria capaz de fenómeno semelhante ao de "Nadar"? Que carreiras? Quais as "estrelas"?  Parecia haver um movimento: algumas festas eram organizadas, as primeiras mixtapes começavam a ser distribuídas, a roupa larga deixava de ser coisa de "homem do lixo". A um nível suburbano, a cultura "hip hop" tornava-se caso sério mas a indústria ainda olhava com desconfiança para estes homens. E quem eram eles? No final da década de 90, tínhamos uns Da Weasel preparados para dar o salto que, efectivamente, os transportou para a galeria de notáveis. Um Boss AC resistente a pressões, crente nas vantagens de gravar em Nova Iorque com os mestes da "cena". Uns Black Company decadentes, depois de uma versão lastimável de "Chico Fininho", transformada em "Chico Dread". E um caldeirão fervilhante de nomes brotados de terrenos "underground", em que então já se destacava um tal de Sam The Kid. Entre 94 e 99, correram-se quilómetros mas olhando para o panorama 2009 já se andaram milhas. É verdade que o preconceito de alguns promotores tem sido impeditivo de contratar alguns dos maiores ídolos populares que, por sinal, estão ligados ao "hip hop". Mais importante, o panorama nacional está cada vez mais rico. 

Tome-se como exemplo o primeiro álbum dos Macacos do Chinês, "Ruídos Reais".  Não sendo tão explosivo e fresco quanto o EP "Plutão", sintetiza passado, presente, futuro, Portugal e o mundo. Quem se lembraria de produzir um "re-edit" para a tradicional "Machadinha" sem ter medo de cair no ridículo? Mesmo tendo em conta a capacidade de assimilação do "hip hop", haveria lata para juntar uma guitarra portuguesa a "beats" de ascendência londrina? Naahh. Claro que parte desta libertinagem artística também resulta do desaparecimento das tribos e da legitimação de todos estilos. Um fenómeno só possível com a geração da Internet.

O tempo de mãos dadas. Os Macacos do Chinês olham para frente sem medo de reflectir sobre o passado. Citam Londres e cruzam o modernismo com música tradicional portuguesa. Aplausos para estes rapazes que são mais do que meros "protegé" dos Buraka Som Sistema.

Na mesma linha de orientação, "Preto No Branco", de Boss AC, é um espelho fiel e verdadeiro do que é o "hip hop" em Portugal perto da despedida da década 00. O título é como o algodão, não engana. Ângelo Firmino é um dos mais inteligentes intérpretes de um estilo que tem raízes negras mas que se integrou numa sociedade iminentemente dominada por brancos. O disco é um "pot-pourri"  de referências. Da nova escola americana sulista à relação com África (uma espécie de herança pesada a que poucos têm recorrido, sem se perceber exactamente porquê). Se os Macacos pegam na "Machadinha", AC recorre a um "sample" de Vitorino para construir "Levanta-te (Stand Up)", um tema que podia ser um hino de combate à moleza e indiferença da sociedade.  

Se há lição a tirar de "Ruídos Reais" e "Preto No Branco", ela está no ecletismo e na heterogeneidade mas, francamente, por esta altura, o discurso estafado do "underground é que é" já devia estar enterrado. Macacos do Chinês e Boss AC sabem que o povo precisa de canções como água para beber e não têm medo de chegar ao público. O que não significa que traiam raízes que remetem para uma existência de subúrbio. 

Aliás, o crescimento do "hip hop" português traça um paralelo com a emancipação dos negros na sociedade portuguesa. Ainda há muito caminho a percorrer mas o mas há obra feita. Mesmo que nem sempre seja reconhecido esse feito. 



Por: Davide Pinheiro

Ilustração: Alexandre Farto

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